Um conto de Flávia Helena
Flávia Helena é professora de Literatura. Escreveu a peça TRAMA (ProAC 2013), a coletânea Sem açúcar (ProAC 2015) e o livro de crítica literária O fabricante de textos. Tem textos publicados em diversas antologias.
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Terra seca
Primeiro foi a pele ressecada e as rachaduras nas mãos. Não conseguia encontrar pomada ou creme que fizesse as feridas se fecharem.
Depois, vieram as tonturas. Um desmaio, até.
Acordou já no consultório médico, aonde foi levado sem querer.
— Stress. É o que tudo indica. Esse quadro de psoríase. As vertigens. Talvez fosse melhor um período de descanso.
O médico nem chegou a ver as veias enrijecidas. Empelotadas já. Como se algo estivesse empedrando por dentro.
Tudo começou quando ele conheceu Clarice.
Com medo de se apaixonar, encheu o coração de terra. Não daquela adubada, cheirando a húmus, mas algo que mais se parecia com um pó infecundo, onde nada poderia brotar.
A terra logo se espalhou pelo corpo, misturando-se ao sangue e circulando pelas veias. Ia seca, feito solo rachado pelo sol.
Ela bem que tentou. Irrigava o terreno árido com suor e saliva.
A tarefa não era fácil, mas Clarice gostava de banhar aqueles pelos eriçados. E tudo que se erguia na presença dela. Só que, com o tempo, começou a se machucar.
A secura do rapaz exalava pelos poros. Escapava em forma de areia junto ao suor, arranhando a pele da moça. Aos poucos, foi se misturando a todos os fluidos que saíam dele. Até que ela começou a sentir os arranhões no útero. A sangrar. E não aguentou.
Sem o orvalho de Clarice, a secura só fez aumentar.