Um conto de Gilvânia Machado
Gilvânia Machado, natural de Natal-RN, reside em Parnamirim. Mestra em Letras. (UFRN). Poeta, contista e ativista cultural. Menção honrosa no Concurso Nacional Novos Poeta. Prêmio Destaque Literário 2019 – Ed. Literarte. Membro e diretora do Conselho Consultivo da União Brasileira de Escritores (UBE/RN). Membro do Grupo Internacional Poetrix. Tem poemas publicados em várias coletâneas de poesia, dentre elas destacam-se 501 Poetrix para ler antes do amanhecer, organização de Goulart Gomes; Coletânea de Poemas – UBE/2015, organização de José de Castro; Antologia Literatura Feminina Potiguar, Organização de Flauzineide Machado; Faz de Conto II, coletânea bilíngue (Português/Francês); e Revistas GatasGrafias – Mangues & Letras(UFRN). Coautora de várias antologias de poemas do Movimento Mulherio (Brasil e Portugal). Foi colunista da Revista Divas (circulação na região Sul e Sudeste). Tem poemas publicados também em diversos jornais e revistas (Jornal Tribuna do Norte, Potiguar Notícias), (Revistas O Galo, Barbante, Ruído Manifesto, Revista de Ouro). É organizadora de três antologias: Aprendizes de Poeta, Fagulhas Poéticas I e II, pela editora Literata – São Paulo. Em 2014, lançou um livro solo de poetrix Rendas & Fendas, na Bienal Internacional do Livro em São Paulo. Atualmente faz parte da articulação/organização do III Encontro Nacional do Movimento Mulherio das Letras que ocorrerá em Natal. Contato: gilvaniamachado16@gmail.com
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Sonata ao luar
O marido empreendia longas viagens. E ela, absorta em seus afazeres domésticos. Cuidava da casa, do jardim. Neste, plantava lindos girassóis, podava as flores.
À hora do crepúsculo, depois de tudo ordenado, colocava a cadeira na varanda, pegava o bordado. Bordava nos lençóis e toalhas as iniciais do seu nome e o do marido: D. & L.
Nesse doce ritual de espera, olhava as graciosas borboletas e colibris que, atraídos pelo jardim, sugavam o néctar das flores. Tudo ali tão calmo, tão calado, tão plácido, tão ordenado.
Quando o marido retornava, ela corria a seu encontro. Pegava-lhe a pasta, tirava-lhe o terno. E dele recebia um beijo suave. Escutava, então, o relato das viagens, dos negócios fechados. Por fim, para agradá-la, ele dizia que nada se comparava àquele refúgio, à comida caseira, ao jardim.
Depois de longas noites dormindo sozinha, enfim, a companhia do esposo. No quarto, a cama impecável, lençóis alvos, bem esticados… D. & L. bordados.
Num final de noite assim, deitaram-se. Ela se aninhava ao corpo dele, ávida por beijos, carícias e toques. Uma flor cheia de néctar, pronta para ser sugada. Mas ele, nas suas próprias urgências, homem prático, não tinha tempo para fazer-se beija-flor. E, como um cavalo, numa fúria, montava nela. Pouco depois, ditando o ritmo, gozava. Tudo muito rápido. Não a esperara. Ela, inerte, fechava os olhos de pura dor. Frígida? Perguntava ele a si mesmo. Mas, percebendo-se observado pela esposa, murmurou: Fui à Lua e voltei. Exausto, virou para o lado.
Numa última tentativa, ela pegou a mão do marido e a conduziu até a gruta. Era assim que ele chamava o órgão sexual feminino. Ela queria sentir prazer, gozar. Mas o sono entorpecia o esposo.
Levantou-se e foi para a varanda. Uma brisa suave soprava. Aroma de rosas, de jasmins… E a Lua imponente e bela. Tudo tão quieto. Porém, pela primeira vez, aquela calmaria a angustiava. Começava a cansar-se de tal felicidade conjugal.
Sentou-se na cadeira e, banhada pelo luar, abriu lentamente as pernas. Como se tocasse um instrumento dedilhou as primeiras notas musicais. Desse modo, foi tocando cada parte do corpo até chegar lá. E aquele corpo, há instantes, inerte agora vibrava em ritmos, cadências.
Tocou uma sonata ao luar, em seus vários movimentos: livres, lentos, dançantes, enérgicos, rápidos. Com a alma vertida em música, em puro êxtase, avistou Jorge, na Lua, de lança e espada.
No íntimo, sabia: a união de D. & L. só seria possível se formassem um dueto com direito a prelúdio. Senão… Um duelo seria travado.
Jania Souza
Muito belo e revelador. POÉTICO e real. Um grito da alma feminina. Parabéns, querida escritora POETA Gilvania Machado!