Um conto de Renata Py
Renata Py é publicitária, foi editora-chefe da PUNKnet e locutora na Antena Zero. Trabalhou com jornalismo cultural em veículos como Showlivre e Kultme. Hoje dedica-se apenas à escrita literária. Já participou de várias antologias. Lançou, no dia 21 de novembro, seu primeiro romance, Firmina, pela editora Laranja Original.
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Tranças
O vento afrouxava as tranças de Emilia, balançava forte as trincas das janelas e fazia a chuva de folhas cair antes do pé d’água. Ela abria os braços, recebia o vendaval sem receio. Seu vestido grudava em seu corpo, mostrando a forma da garota que gostaria de ser pássaro. Sentia voar, ainda que fosse um voo descontrolado, mesmo que por alguns instantes. Seus olhinhos fechados assim imaginavam.
Tia Deti gritava; para a menina, para mim, para os cachorros, os empregados, até para as galinhas, essas as únicas a obedecer. A umidade trazia em si o cheiro de terra molhada antes dos primeiros pingos. Eu repetia o nome de Emilia sem cessar, assistindo sua ousadia de se diluir no vento. Queria ser capaz de dedicar-te o voo das aves, menina.
A água caiu, sem dó nem piedade, na terra seca quase em chamas. Como um choque. Emilia saiu do transe e corremos sem saber para onde. Ela trazia nos olhos a luz de quem desafiou a ciência e conseguiu flutuar. Era chuva de apelo, esperada por toda aquela natureza em volta. Vinha em bom tempo para colheita, para o pasto, para molhar os lençóis da tia.
Abaixo do parapeito da cocheira, ríamos sem motivo. Foi quando, pela primeira vez, nos olhos sardentos da menina, vi que a mocidade havia começado seu rasgo. Sem ferir, com cuidado. O ar surrupiou minha fala quando ela me beijou. Molhado, ligeiro. Um amargo doce que nunca havia experimentado. Nem nos melhores banquetes da fazenda. Nem nas maiores quituteiras da cidade.
Depois ficamos parados, assistindo ao estranho vagar dos movimentos. Era a tarde inteira que chovia, era meu corpo que desaguava em apego. Pudera eu guardar a todo custo aqueles minutos, para nunca mais se soltar de nós. Ela mirava o silêncio em busca de reação. Qualquer uma. Buscou em mim algo que explicasse o ato. Algo que eu simplesmente não ofereci. Foi assim que ela correu, deixando a tempestade dentro de mim. O seu corpo magro estava pronto para qualquer palavra que fosse. E eu, fui incapaz de dizer. Passei a vida a correr atrás daquelas tranças, tentando a todo custo provar minha devoção. Me diluindo em chuva larga.
Juliana Brito
quem ensina esses meninos a (Não) falar?