Um conto e três poemas de Vinícius Finisguerra Vianna
Meu nome é Vinícius Finisguerra Vianna, tenho 22 anos, nasci na cidade de São Paulo e é onde moro até hoje. Sou um leitor. No ano de 2020, com a pandemia e a quarentena, tive a oportunidade de levar mais a sério minha escrita, olhar com mais carinho para ela e comecei a tentar arriscar, ou seja, busquei tornar público minha literatura que até então era algo totalmente feito somente para mim, foi uma grande mudança de valores e princípios. Sendo assim, minha trajetória é recente, publiquei somente na Revista Subversa. Estou começando a faculdade de medicina. Acredito muito na síntese do esforço de trabalhar com a ciência e a arte, como fez a médica Nise da Silveira, uma grande inspiração para mim. Mia Couto em “Rios, cobras e camisas de dormir” trás belas reflexões sobre a possibilidade de convergência entre esses dois mundos(arte e ciência) e simplifica na frase: as moléculas sabem mais de poesia do que nós podemos imaginar. É de fato uma máxima de muito significado para mim.
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Qualquer
roberto era barbeiro de fevereiro a junho com navalha mística que
não raro pensava em sangue e sentia o gosto de sal com ferro
para eles roberto foi tudo de pior que podia dar de errado sem ser
absolvido por cultos crenças ou amor: aceitou ter um cheiro
ruim, bafo quente, sem escudo, a fome de espírito com olhos
perdidos em limbos de relacionamentos e de dívidas com todos.
era roberto se perdendo nas simetrias da geometria e
armazenando lenços úmidos de catarro no sofá da sala
no lixo pequeno do banheiro ao lado da privada negra
fazia filmes com os personagens sendo palitos de dente e de fósforo
servido de pipoca de micro-ondas queimada e amarga, jamais
competindo nem vencendo, foi de verdade humilhado descascado
até somente restar Roberto sem dó sem juízo se entregando aos
fetiches das mídias sem nunca saber quais eram os seus e acreditava
que não fazia diferença, era um censurado era uma tristeza envergonhada, colocando seu ouvido na testa dos outros e ouvindo somente arrotos de pornografia escutando bostejos que não sabia dialogar nem traduzir pros filhos, roberto foi também porteiro de agosto a novembro e estudava nas
madrugadas física quântica e teoremas de linus pauling mas sem nunca
criar uma máquina do tempo sem nunca entender a máquina do mundo
nem fez choro com romances ou amigos antigos e nem mesmo com curtas
sem ter com quem usar o que lhe havia de mais próprio de sua mente e corpo.
teve apreço por João Rubinato embora fosse da geração do rock de brasília café com sete colheres de açúcar aborto elétrico e sexos sem preservativos.
morreu sem saber seu endereço, seus nervos e sua medula, sem saber as curvas das matérias, nunca lhe passou a razão da tristeza a alegria do delírio
sendo o inútil que tanto precisamos que tanto invejamos. Inútil lutando contra toda técnica despida de ética: lutando contra todo o esquecimento do erótico.
*
Ser sentindo-se
se o corpo ser parede verde fosca madura
se ser meu desejo solto também tão verde
desenho ele com giz amarelo se ser
se não ser faço com tijolos laranjas
ou se também ser as pontas dos dedos
molhadas com a água da poça que é
tanto faz,
mas prontas para deformar o que já quiseram
rabiscar desobedientemente o que já impuseram
tudo para ser o corpo plano de tato, ser
ser profundo no respiro do espírito, ser
que ser eu me aconteço ser de pintura arteira, se
ser meu mundo ser meu manto diáfano: arte ser sagrada, se
ser profana: parede-se!
parede-se ser sim.
*
Lanche da tarde
vovó colhia erva das palavras doce faladas
(a escrita é soletrar construções da escuta) : infância.
Deus deve bem saber que em cada canto de matéria empoeirada
há de umedecer alma ouvinte de boa história púrpura.
nascer
úmido(unido) chuva
dor(humor)
o amor
bem seja nosso choro
De
Deus
Deusa
De
Das
avós
e eu nem precisa saber falar em inglês.
*
Mais sempre mais
foi pelo centro dos meus olhos que te vi
descascando alhos com dedos de unhas
roxas, sujas de ofício, que escavavam
algo mais no presente de tudo que
possa significar. Seria prático mudar
o lógico, não continuar, mas era ela
magistralmente parada para o mundo e
que tinha razão no eclipse do seu maior
sentimento – que todos temos razão:
qualquer um que queira descascar alhos
no mercado, alhos de todos os gêneros e
espécies – somente eles eram o contato dela,
pois se faz longe dali as demasiadas
investigações do caos: “como descascar
de forma fácil e prática?”. Ela tem razão.
Não importa a altitude ou latitude língua
ou hemisfério: todos temos razão no que sentimos.
Afinal me apego também aos demais alhos para
prolongar o que já devia ter sido, o que já
devia ter amadurecido- sim! quero alhos!
alhos de todos os gêneros e todas as espécies
ainda que o esgoto exploda e a primavera se
perca com as meias já molhadas pela água
na altura do joelho, chovendo sem parar, sem
proteção, te olho para imitar os dedos mais roxos
metamorfoseados em botões de flor, que venha
vento – apagão – ensopados – vultos – mar – cala –
frio: pneumonia!
Mas que nada! Blasfêmia!
é contra tal inverno da frente fria do peito cheio de
granizos que beijo tua flor posta sobre os alhos de
todos os gêneros e de todas as espécies pois sei
que não te alcançarei.