Um conto e um poema de Hilda Curcio
Hilda Curcio, classificada em 20 concursos literários de contos e poesias, nascida em Leopoldina, em 30/11/1955, residente e domiciliada em Brasília, um filho; funcionária pública, taquígrafa e revisora aposentada.
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Lar per-noite
A um canto do minúsculo cômodo, um secador de cabelo em seu tripé cambaleante; bolha de hidratação anciã; no gasto balcão, um cinzeiro jamais lavado nada insinuando o ambiente — cabelos escovados não combinam com cigarros —, tudo para desalojar roupas e bolsa dormidas, de-dia vêm as escovas de pentear, as chapinhas. Olha para um lado, o outro, acomoda enfileiradas três velhas cadeiras-de-manicure e se deita, sem-improviso; melhor cama não há-de, inútil recusar…
O sono a abandona mesmo; mais uma noite, dessonhada e só. Urge pensar em algo que acalme tamanha insônia. Surpreende-a um carinho — dos próprios dedos —, as mãos deslizam sobre seu corpo, cada parte mais feliz, receptiva. Tudo provisório. As mãos encontram a face cansada, ambas angulam o crânio para finalizar numa descoberta — cabelos brancos expostos impudicamente, quedos, desavergonhados; prende-os precipitada, enfim, solta-os brutos aos peitos. Nesse prender-soltar-prender capilar, eleva os olhos invasores além das paredes espelhadas, convencendo-se de qualquer atitude. Ou isso. Ou, desnecessário querer.
Apesar… Segue uma intuição nata, sem saber como, às quatro da manhã; ausente a luz, dentro de três horas deveria estar com o salão aberto, mas ignora a urgência de tudo, e deixa a cabeça queda sob a torneira fria (estragada há onze dias — melhor a água fria para os cabelos se manterem normais, sem oleosidade). Primeiro, o xampu para lavar; depois, para nutrir — de que adianta nutrir hoje se amanhã só poderia cuidar das outras mulheres?…
Manteve-se sob aquela torneira por mais de quarenta minutos ignorados, esquecidamente. Nem se deu conta de que, daí a pouco, mais ou menos duas horas, deveria estar pronta, talvez, aparentemente, para as primeiras clientes.
As mãos tateiam os periféricos todos do que parecia um lavatório, mas, em vez da toalha, encontraram tesouras, máquinas de tosquiar, de fazer os acabamentos exigidos-esperados-sonhados. As mãos ágeis e impunes, sem vacilar, violentaram a antiga decisão de manter longos os cabelos já brancos. Operação conclusa, a campainha soa: o telefone?… o celular?… a porta? Onde? Quem? O que atender primeiro? Fechar a torneira? Secar a água que lhe escorre ombros abaixo? Esconder-varrer os cabelos para o lixo? Agir como se nada… Nada. Num repente, um grito, urros, berros, choro convulsivo. As três manicures a postos, as primeiras clientes entrando, nenhuma ideia ainda do que ocorrera naquela noite, qualquer certeza sobre o havido poderia ser suposição — ninguém saberia explicar aquela cabeça totalmente nua, cabeça de quem sempre convence a todas que manter os cabelos tingidos e escovados era dever de mulher. Como explicar para as clientes que, a partir de agora, sua decisão era esta — outra cabeça, novo corte, esta aparência — muita água, muito xampu perfumado, condicionador… para lavar até a alma? A sua. Era a sua decisão. Decididamente. A pernoitar seus sonhos.
O espelho reflete sua imagem mais verdadeira — está-ficou-em-paz-consigo-mesma.
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Justiça
A justiça é feminina e sovaca homens mulheres crianças,
Mesmo linguagem elitista acesso infacilitado…
Corrida para a verdade justa
grita acanhada pela multidão aflita desejosa
passado presente futuro
liberdade igualdade fraternidade, também em francês.
Ser justa feminil total eterna
sempre justiça.
Há.
Vestes talares justiceiras
roupas impudicas de mulher.
Ambas cobrem corpos antes nus
despidos prenhes desejosos de tudo
parca justiça porca pouca!
In-justiça.
[Poema classificado no concurso literário 2010/CBL]
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(Pintura de Mark Rothko [detalhe])
Hilda das Graças de Oliveira Curcio
Boa tarde, Matheus, você me deixou muito feliz com essa publicação; desde que conheci seu site eu o tenho apresentado para alguns amigos. Você trabalha muito, não é? Sempre postando, e nos presenteia com muita coisa boa. Obrigada por me permitir fazer parte desse seu elenco que já respeito muito. Felicidades e continue sendo esse batalhador pela literatura, pela arte, enfim. LI ALGUNS DE SEUS POEMAS E OS ADOREI, PARABÉNS POR SUA ESCRITA. Eternamente grata. HILDA CURCIO
Matheus Guménin Barreto
Boa tarde, Hilda! Ficamos muito felizes que você tenha enviado seus textos e que tenha gostado da publicação. Muito obrigado pelas palavras de incentivo! Mas somos uma equipe grande de editores, sozinho eu não conseguiria levar o site para frente. Aqui há a lista completa de editores: https://ruidomanifesto.org/equipe
Grande abraço, e obrigado também pelas palavras sobre meus poemas.
Hilda Curcio
Boa tarde, editores, tenho escutado-lido seus ruídos sempre que possível. mais uma vez, obrigada e parabéns pelo intenso trabalho e dedicação neste mister de divulgar e incentivar autores/escritores/artistas. que venham sempre seus ruídos para mim/nós. grata, hilda curcio
Matheus Guménin Barreto
Que bom, querida Hilda Curcio! Ficamos muito felizes. Que venham sempre os ruídos para nós todos. Abraço grande, ótima semana!