Um poema de Santiago Villela Marques
Santiago Villela Marques é o pseudônimo de Paulo Sérgio Marques, um autor natural de São Paulo e que viveu grande parte de sua vida em Mato Grosso. Publicou os livros de poesia Primeiro (2004), Outro (2008), Três tigres trêfegos, em coautoria com Juliana Roriz Aarestrup e Henrique Roriz Aarestrup Alves (2010), e Selvagem (2013); e os livros de contos Ângulo bi, em coautoria com Marcelina Oliveira, Paulo Sesar Pimentel e Gisele Mocci (2002), Correspondências (2012) e Sósias (2015). Algumas de suas obras obtiveram premiações nacionais como, dentre outros, o Prêmio Sesc Monteiro Lobato de Conto Infantil (1º lugar, em 2009 e em 2010), o Prêmio Sesc Machado de Assis de Contos (2º e 3º lugares, em 2009 e 2011, respectivamente), o Concurso de Contos de Ituiutaba Águas do Tijuco (1º lugar, em 2012) e o Prêmio Cataratas de Contos e Poesias (3º lugar, em 2015). Em 2018, ano do seu falecimento, foi publicado postumamente o livro de poesia A musa corrupta, integrando a Coleção Olho D’Agua do box comemorativo dos 20 anos da Editora Carlini & Caniato. O poema “Verbotrágica” está contido em Selvagem.
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Verbotrágica
1. Gênese
No início era a víscera.
Deus com sangue no espírito.
Depois foi o vício do assassínio
– Crucifica-o!
E as bocas eram poucas
a tanta fome.
Babélicas
as línguas se alimentavam das pedras.
No topo da torre
enterrado em segredos
Deus escreveu seu poema.
2. Criação
Anjo fulminado
repouso o corpo em Tuas coxas
agora grávidas
de uma lágrima queimada
na água-luz de tua boca.
Sopra
a ver se nasço então
Teu barro semelhante.
3. Dilúvio
Como quem se cansou de sede
inventei meu afogamento.
Água nos olhos e orelhas
limpos de ouvir e ver.
A boca silenciada de abismos.
Depois
defunto lavado
lacrei o corpo numa arca ao mar.
Só para ao sol levantar na praia.
Que mal
dita onda
ou navio
me devolveu?
4. Túmulo
Se a tudo digo
“Que fome de plantar!”
é por ter engolido
mais terra a boca aberta
e grão algum.
Gozo da cova:
Tudo a chuva sepulta.
E aduba.
5. Fecundação
A lua
é mais calada
se abre a boca toda –
branca palavra muda.