Um poema e crônica de Ilana Eleá
Ilana Eleá é autora de Encontros de neve e sol, publicado em português na Itália pela editora della Meridiana (Capire Edizione, 2019). A versão em e-book está disponível pela e-galáxia. Ilana é carioca e vive em Estocolmo desde 2011.
***
As cores dos sonhos
Derramei as cores das bandeiras
Irã, Iraque, Eritreia, Síria
na sala de rostos
na sala de aula noturna
de sueco para imigrantes
Traguei as cores
saídas das suas bocas
quando a professora indagou
sobre os nossos sonhos
Ser taxista
Ser carpinteiro
Ser pintor de paredes
Ter uma firma de limpeza,
eles responderam
E pude observar o sentido
da palavra sonho
em um trilho simples
e nem por isso menos
tortuoso
Desçam as nuvens
até aqui –
qual a altura para arriscar
o voo
quando o céu cabe no
sorriso desses meninos?
Há muitas formas de imigrar. São ventos ora de escolhas e tentativas, ora de fugas a desenganos pelos erros da humanidade. O privilégio do amor me trouxe até a terra nórdica. Se escapei de guerras eram interiores as bombas que explodiam. Era o desejo jovem e disposto procurando, insaciável, uma história de amor que valesse os esforços e intenções de alegria.
Estocolmo me recebeu com a polidez que a caracteriza como cidade, uma cartela de tons em equilíbrio, ruas limpas de dores e de gozos visíveis ao alcance de olhos nus. Manter distância se aprende no cotidiano da cidade bonita: perguntar com distância, tocar na distância, falar com distância das emoções, ser rente aos fatos, aguardar os tempos nas gavetas crescerem.
Aqui aprendi que ter sido aluno na mesma classe desde a infância, a foto escolar ano a ano envelhecendo junto é a palavra mágica que une os adultos suecos de hoje, essas dezenas de fotografias em comum valem para abrir o acesso aos abraços e lágrimas profundas. A Suécia me parece um país de inúmeras oportunidades e distâncias intransponíveis.
Entretanto, a generosidade do país progressista confunde essa equação pálida das distâncias individuais e distrai os eixos para um afago nacional. São incontáveis as garantias, os direitos, os espaços, as chances que o território convida. O sistema educacional sueco é oferecido gratuitamente em todos os níveis, da educação infantil aos cursos universitários e especializações. O curso de sueco também é gratuito e oferecido aos imigrantes.
Não sei se atualmente agradeço mais ao aprendizado da língua ou ao aprendizado de vida que o curso noturno tem me trazido. Não sei se me surpreendo mais com as declinações do substantivo ou com as riquíssimas diferenças culturais que passei a conviver três vezes por semana.
Muitos dos meus queridos colegas de classe são sobreviventes de guerras ou vindos de contextos delicados de vida e não esqueceram de sorrir, tampouco de acender os olhos para a beleza dos detalhes. Meus colegas de curso lançam sementes para a amizade, parecem saber que distâncias são linhas que podem ser aproximadas por um gesto, uma fruta, uma pergunta interessada, uma dança, um olhar.
*
O poema e texto foram publicados originalmente em língua italiana na revista digital de poesia contemporânea ClanDestino (https://www.rivistaclandestino.com/as-cores-dos-sonhos-i-colori-dei-sogni).
Miriam Romão
Lindo poema. Crônica poetica. Ecoaram como estrondo, espalhando poesia no meu dia. Parabéns aos envolvidos⚘
Miriam Romão
14 DE DEZEMBRO DE 2019
CRÔNICA, POESIA, RUÍDO
Um poema e crônica de Ilana Eleá
Ilana Eleá é autora de Encontros de neve e sol, publicado em português na Itália pela editora della Meridiana (Capire Edizione, 2019). A versão em e-book está disponível pela e-galáxia. Ilana é carioca e vive em Estocolmo desde 2011.
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As cores dos sonhos
Derramei as cores das bandeiras
Irã, Iraque, Eritreia, Síria
na sala de rostos
na sala de aula noturna
de sueco para imigrantes
Traguei as cores
saídas das suas bocas
quando a professora indagou
sobre os nossos sonhos
Ser taxista
Ser carpinteiro
Ser pintor de paredes
Ter uma firma de limpeza,
eles responderam
E pude observar o sentido
da palavra sonho
em um trilho simples
e nem por isso menos
tortuoso
Desçam as nuvens
até aqui –
qual a altura para arriscar
o voo
quando o céu cabe no
sorriso desses meninos?
Há muitas formas de imigrar. São ventos ora de escolhas e tentativas, ora de fugas a desenganos pelos erros da humanidade. O privilégio do amor me trouxe até a terra nórdica. Se escapei de guerras eram interiores as bombas que explodiam. Era o desejo jovem e disposto procurando, insaciável, uma história de amor que valesse os esforços e intenções de alegria.
Estocolmo me recebeu com a polidez que a caracteriza como cidade, uma cartela de tons em equilíbrio, ruas limpas de dores e de gozos visíveis ao alcance de olhos nus. Manter distância se aprende no cotidiano da cidade bonita: perguntar com distância, tocar na distância, falar com distância das emoções, ser rente aos fatos, aguardar os tempos nas gavetas crescerem.
Aqui aprendi que ter sido aluno na mesma classe desde a infância, a foto escolar ano a ano envelhecendo junto é a palavra mágica que une os adultos suecos de hoje, essas dezenas de fotografias em comum valem para abrir o acesso aos abraços e lágrimas profundas. A Suécia me parece um país de inúmeras oportunidades e distâncias intransponíveis.
Entretanto, a generosidade do país progressista confunde essa equação pálida das distâncias individuais e distrai os eixos para um afago nacional. São incontáveis as garantias, os direitos, os espaços, as chances que o território convida. O sistema educacional sueco é oferecido gratuitamente em todos os níveis, da educação infantil aos cursos universitários e especializações. O curso de sueco também é gratuito e oferecido aos imigrantes.
Não sei se atualmente agradeço mais ao aprendizado da língua ou ao aprendizado de vida que o curso noturno tem me trazido. Não sei se me surpreendo mais com as declinações do substantivo ou com as riquíssimas diferenças culturais que passei a conviver três vezes por semana.
Muitos dos meus queridos colegas de classe são sobreviventes de guerras ou vindos de contextos delicados de vida e não esqueceram de sorrir, tampouco de acender os olhos para a beleza dos detalhes. Meus colegas de curso lançam sementes para a amizade, parecem saber que distâncias são linhas que podem ser aproximadas por um gesto, uma fruta, uma pergunta interessada, uma dança, um olhar.
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O poema e texto foram publicados originalmente em língua italiana na revista digital de poesia contemporânea ClanDestino(https://www.rivistaclandestino.com/as-cores-dos-sonhos-i-colori-dei-sogni).
TERMOS: Crônica, Ilana Eleá, Poemas, Poesia
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Divanize Carbonieri
Divanize Carbonieri é doutora em Letras pela Universidade de São Paulo, atuando como professora de literaturas de língua inglesa na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). É autora dos livros de poesia “Entraves” (Carlini & Caniato, 2017), agraciado com o 2o Prêmio Mato Grosso de Literatura, e “Grande depósito de bugigangas” (2018), selecionado pelo Edital de Fomento à Cultura de Cuiabá/2017, e da coletânea de contos “Passagem estreita” (no prelo), selecionada pelo Edital de Fomento à Cultura de Cuiabá/2018. No Prêmio Off Flip, foi finalista na categoria poesia nas edições de 2018 e 2019, e segunda colocada na categoria conto na edição de 2019. Também foi finalista no 3o Concurso da Editora Lamparina Luminosa em 2016. Atua ainda como tradutora, tendo participado da tradução de “Hind Swaraj: autogoverno da Índia” de Mohandas Gandhi e “100 Grandes poemas da Índia”. Integra o Coletivo Maria Taquara, ligado ao Mulherio das Letras – MT.
divacarbo@hotmail.com
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COMENTÁRIOS
Miriam Romão
14 DE DEZEMBRO DE 2019
Lindo poema. Texto poetico. Ecoaram como estrondo, espalhando poesia no meu dia. Parabéns aos envolvidos⚘