Um texto e dois poemas de Lorena Ribeiro
A artista Lorena Ribeiro é soteropolitana, doutoranda em Língua e Cultura pela Universidade Federal da Bahia e idealizadora do projeto Passos entre Linhas. Nele tem como foco a divulgação de autores brasileiros, principalmente autoras negras, além de apresentar espaços culturais na Bahia. Lorena é também idealizadora do projeto Lendo a Bahia e coidealizadora do projeto de escrita criativa Entre Escritas. Tem publicado o livro infantil “O divertido glossário da Jana” (2020).
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A assonância do amor
Metáfora, garota alegre, sempre levou a vida sem rodeios. Tinha como sonho, desde a sua metonímia, encontrar alguém a quem pudesse remocar. Passou a adolescência escrevendo poemas e cartas a palíndromos imaginários, acreditando que um dia esses textos encontrariam a sua zeugma.
Aos vinte e poucos bíbolos, Metáfora conheceu o Anacoluto. Rapaz romântico, cheio de solecismo. Ela acreditou, enfim, que tinha encontrado a sua fronha. Mas o que a garota não sabia é que a assonância do amor é muito mais babosa do que se pode imaginar.
Prosopopeia, sua amica de metonímia, reapareceu depois de bíbolos distante. E depois de muita resistência para entender o que o seu alcaçuz estava sentindo, Metáfora compreendeu que remocar está além do nosso polissíndeto. Hoje, depois de muito pigarro, Anacoluto está feliz, curtindo sua vida de cântaro, levando os seus versos solecismicos para os casais apaixonados de todo o mundo.
Inclusive, cantou as suas melhores perífrases no dia em que Metáfora e Prosopopéia se casaram.
As duas vivem em plena sinestesia, aprendendo a cada dia, a como lidar com os cacófatos que surgem pelo caminho. Mas remocar é isso! Um cadarço após o outro.
*
Avalanche Nostálgica
No fim de uma sexta-feira,
busu cheio.
O homem de trinta e poucos anos
chamou atenção.
“Sabe, já faz tempo que eu queria te falar
das coisas que trago no peito…” ♪
Com voz rouca, intensa,
conquistou aplausos
até da galera carrancuda,
da gente cansada da pesada semana.
Ele diz não nutrir o sonho de ser cantor.
Não acha válido “perder tempo” com utopias.
Quer mesmo ajuda pra se internar:
largar as drogas.
Declarou, num riso contido
fala pausada.
“Ainda que eu falasse a língua dos homens.
Que eu falasse a língua dos anjos.
Sem amor, eu nada seria.” ♪
Além do afago causado pela sua voz,
de brinde
junto à playlist,
uma avalanche nostálgica.
Agradeci,
com o sorriso largo.
Ele apertou minha mão, elogiou o rasta colorido
e desceu do busão.
Foi continuar o corre diário
enquanto seduz ouvidos atentos,
que não esquecerão da voz que
eu
não esquecerei.
*
Círio de Nazaré
É meio de outubro
Cores tomam as ruas de Belém.
Flores, fitas
Uma multidão movida à fé.
Ela está lá, quase invisível
imersa em sentimentos.
Do alto, posso vê-la
em meio à procissão.
A lente capta o momento
E sinto dessa mulher, emoção crua.
Olhos marejados, que logo inundam
Gratidão pela graça alcançada.
Na mão, um boneco de cera
Seguro, valioso
A devoção a conduz
Firme, em seu caminhar.
Com o olhar fixo em minha direção,
não me enxerga.
Mas, sua adoração me arrebata
e já compartilho a agonia
fervor e alegria por estar(mos) aqui
após longa espera.
Eternizo o instante num click.
E queria guardar seu nome.