Um trecho de romance de Adriana Teles
Adriana Teles é pós-doc em Literatura Comparada pela FFLCH/USP, doutora em Teoria da Literatura pela UNESP/Ibilce. Autora dos livros Machado e Shakespeare: intertextualidades (Perspectiva, 2017), O labirinto enunciativo em Memorial de Aires (Annablume, 2009) e do romance Íris negra (Trevo/Benfazeja, 2020).
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Sobre o romance Íris negra (texto da 4ª. Capa)
Três personagens conectados com seu tempo e com a busca de um lugar – físico e afetivo – , com o experimentar de suas fronteiras pessoais e geográficas, entre quereres e possibilidades, manifestos no encontro com o outro, na grande babel, Nova Iorque. A consciência da transitoriedade e do fluir da vida expressos pela força da narrativa que nos enreda neste descobrir-se dos personagens e de figuras históricas, ofertando-nos uma visita a uma galeria, in loco, bem como propondo um percurso virtual, à escolha do leitor, com itinerários internos e externos, biográficos e artísticos. A arte de duas artistas plásticas do século XX, Tarsila do Amaral e Georgia O´Keeffe, baliza e inspira diálogos e descobertas das personagens – e dos leitores – a partir do imbricamento das narrativas das personagens femininas que se cruzam e compõem uma relação triangular entre Cíntia, Constanza e Raul. Este romance é um convite ao cotidiano intenso de seres em viagem, no ritmo dos contextos e das relações do contemporâneo, marcado pela sobreposição da narrativa e do viver.
Elisana De Carli
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Trecho do romance Íris negra
Georgia pensava nas palavras de Kandinsky. Ela havia relido a introdução de seu livro no dia anterior. Gostava de suas ideias. Por vezes lemos textos que poderíamos ter escrito, tamanha a identidade que criamos com o seu conteúdo. Também ela achava que a arte é um pão espiritual. É claro que ela se adequa à fome e ao paladar de cada um, às necessidades de cada corpo e ao vazio de cada estômago. Mas era um alimento tanto para o espírito de quem a aprecia quanto para o de quem a produz… Georgia era impulsionada por uma necessidade intrínseca ao seu ser e cuja motivação lhe era obscura, à semelhança do que pontuara o russo nas suas anotações. Por que, afinal, não poderia viver sem pintar? Não sabia. E por que pintar o que pintava e a maneira como o fazia? Outro mistério, que não poderia nem queria resolver. Sabia apenas que era um autêntico encontro com Deus, uma maneira de se proteger da vulgaridade e do aniquilamento. Gostaria que todos experimentassem as emoções que a haviam dominado na confecção de cada pintura. Eram sentimentos que a linguagem, por vezes, era incapaz de exprimir com clareza e objetividade. Eram ecos de um tempo ainda não completamente vivido e de uma alma ainda em expansão e, por isso, dominados pelo desconhecido e carente de definições. Queria momentos de profunda lucidez, mesmo que isso provocasse dor e sofrimento. A experiência com a arte tem, por vezes, um quê de masoquista, mas é impossível viver plenamente sem essa dor, que faz sangrar feridas ocultas e desconhecidas.