Um trecho de romance de F. C. Edwin
F. C. Edwin é paranaense, com formação no curso de Letras e uma genuína paixão por literatura e cinema, sobretudo do gênero terror. Ao começar a ler Stephen King, sua referência de genialidade e mente afortunadamente obscura, decidiu que queria escrever seus próprios livros e ter seus próprios leitores, a quem pretende causar os mais absolutos pesadelos.
Os Hospedeiros da Morte – Contaminação (Grupo Editorial Coerência, 2020) é o livro de estreia da autora.
***
Os Hospedeiros da Morte – Contaminação
Prólogo
O médico-cientista estava em pânico, mas ainda era capaz de se controlar. Não correu para não levantar suspeitas, mas sabia que tinha de sair imediatamente daquele ultrassecreto complexo de laboratórios, se quisesse manter a dignidade humana que ainda lhe restava sob seu domínio. Os vestígios que havia deixado eram gritantes demais para demorarem a ser notados. Cumprimentando a todos por quem passava com acenos rápidos de cabeça, Hermes Oliveira entrou no carro e deu a partida, cantando pneus ao parar na guarda rigorosa de entrada e saída. Sem falar nada – sem conseguir falar –, entregou o cartão magnético com dedos trêmulos ao segurança e contemplou nervosamente a cancela automática se levantando, apresentando-lhe a liberdade que, certamente, jamais voltaria a ter se continuasse lá dentro. Os pneus tornaram a cantar, e o homem de estatura baixa, cujo desespero era inversamente proporcional ao seu tamanho, deixou para trás as instalações do IBPE e um guarda de meia-idade refletindo sobre o quanto aqueles malditos cientistas eram pretensiosos e arrogantes.
Apesar de ser divorciado e morar sozinho, o médico não tinha intenção de ir para casa, exceto por uma passada rápida para pegar algumas roupas e os remédios que tomava sob prescrição. Permanecer no pequeno apartamento de um quarto estava fora de questão. Seria o primeiro lugar onde o procurariam.
Dirigia a quase cento e vinte por hora pela estreita estradinha aberta naquela floresta de Mata Atlântica e olhava a todo instante pelo retrovisor. Após pegar o que precisava em casa, passaria numa farmácia para comprar todos os medicamentos prováveis e improváveis (tinha credencial para isso), a fim de combater a infecção, e se hospedaria num hotel qualquer em São José dos Pinhais. Oliveira tencionava se drogar até matar as malditas coisas que estavam em seu corpo – ou a ele próprio, caso a intenção inicial não funcionasse da maneira que esperava.
O plano minuciosamente pré-formulado por Oliveira não havia chegado nem perto de dar certo. Quando passava pela região central de Curitiba, a dez minutos de casa, começara a apresentar breves, porém constantes quadros de tremedeiras fortíssimas. Por alguma sorte, estava a duas quadras do Shopping Imperial e conseguiu dirigir até o segundo piso do estacionamento. Começando a sangrar pelas cavidades da cabeça e também a exsudar gotículas de sangue, Oliveira entrou aos trotes no corredor de banheiros entre a Sonho Meu e a Little Feet.
Mais tarde, ao tentar abrir a porta e sair do banheiro para buscar ajuda – quando finalmente chegaria à conclusão de que se esconder havia sido a pior atitude que poderia ter tomado –, ele veria que era tarde demais. Porque, sem força alguma para sair dali, apenas conseguindo erguer o braço extremamente ensanguentado – assim como o resto do corpo – para abrir a porta, Oliveira cairia e só conseguiria se levantar quando aquela coisa que dominava o seu sangue passasse a dominar também o seu cérebro.