Um trecho de romance de Luck P. Mamute
Luck. P. Mamute nasceu no interior de Mato Grosso no ano de 1975, mas é cuiabano desde os cinco anos. Aos três anos de idade percorreu todo o Brasil com seu pai e um grupo de teatro numa Veraneio de segunda mão. Cresceu entre palcos, picadeiros, estradas, cidades e selva. No decorrer dos anos fez teatro, formou bandas de rock, passou temporadas em tribos indígenas, dirigiu e produziu programas de TV.
E foi escrevendo que encontrou o caminho para se conectar
com tudo que já viveu, sentiu e provou.
Em 2016, lançou seu primeiro romance, Nota de Cinco (Editora Carlini e Caniato).
Abaixo, um trecho do novo livro do autor, O Segredo de Marguerite, programado para ser lançado em 2019.
***
O Segredo de Marguerite
Já passava das cinco da tarde e eu estava no quintal de casa, sob um imenso pé de manga espada consertando meu carrinho de rolimã, quando ouvi alguém bater no portão da garagem.
Como a Maria tinha ido ao mercado com a minha irmã e meus pais estavam em seus respectivos trabalhos, sobrou para mim a tarefa de porteiro. Dei a volta no quintal e entrei pela cozinha, atravessei a sala e abri a porta da frente de nossa casa.
Jamais irei esquecer daqueles segundos que se seguiram!
Ainda batendo no portão de madeira, estava um senhor de fartos cabelos brancos que escorriam pelos ombros, uma imensa barba também branca que faria a barba do Papai Noel parecer penugens de um adolescente. Ele vestia uma roupa que um dia devia ter sido bege, totalmente desbotada pelos anos de uso, uma velha sandália de couro e uma mochila feita com retalhos de outras mochilas, com todos os zíperes estourados.
– O meu pai não tá em casa.
O senhor se virou para mim e ficou me olhando por um longo minuto. Uma lágrima saiu de seus olhos percorrendo suas bochechas e indo se embrenhar em seu bigode de nuvem.
– Nicolas?
– Sim.
Ele veio em minha direção caminhando com um pouco de dificuldade e ao chegar perto me abraçou muito forte. Eu não tive nenhuma reação.
Ele tinha cheiro de capim cidreira ou erva-doce, sei lá eu sempre confundi um com o outro, mas o cheiro era de um desses dois.
Depois de me abraçar com a força de um urso bravo, ele colocou as duas mãos em meus ombros, olhou no fundo dos meus olhos e, como se estivesse reunindo forças dentro de si, conseguiu exprimir o que estava sentindo naquele momento.
– Você é o mais próximo que eu já cheguei de mim em muito tempo.
Demorei muitos anos para entender o que ele falou naquele momento, mas naquela hora eu queria saber quem era aquele senhor que parecia o pai do Indiana Jones misturado com um hippie de Chapada dos Guimarães.
– O senhor me conhece?
– Menos do que gostaria. Muito menos… Antes de qualquer coisa, preciso de um pouco d’água e um lugar para me sentar…
Eu senti que não precisava temer aquele senhor, então o guiei pela casa e o deixei sentado no sofá da sala, em seguida fui até a cozinha pegar um copo de água.
Naquela hora, os meus neurônios estavam querendo chamar Houston.
Quando voltei com a água, vi que o senhor estava com o dorso deitado no sofá, espantosamente dormindo em sono profundo.
Liguei o ventilador, coloquei suas pernas sobre o sofá e em seguida corri até o salão da minha mãe.
Como estava todo sujo, não quis fazer a minha mãe passar vergonha, então fiquei batendo na vitrine até que uma das cabeleireiras me visse. Deu certo, mas a minha mãe veio me atender soltando fogo pelas ventas.
– O que foi Nicolas, não tá vendo que eu tô ocupada?
– Mãe, você precisa ir lá em casa.
– Agora não posso, hoje à noite tem um casamento e nós estamos preparando as damas de honra, madrinhas e a noiva.
– Mas é urgente.
– Como assim urgente?
– Tem um homem dormindo lá em casa.
– Homem? Dormindo? Como assim?
– Um senhor de cabelo branco que apareceu do nada, me pediu água, depois se deitou no sofá e apagou…Tá até roncando.
– Hã?
Minha mãe correu pra casa e ao chegar lá ficou mais branca do que as mais brancas geleiras da Antártida.
Ela se sentou num sofá próximo ao que o senhor estava deitado e começou a chorar.
Fiquei sem ação, mas naquele momento já deu para saber que ela conhecia aquele homem.
– Você o conhece mãe?
Minha mãe me olhou e balbuciando disse.
– Ele é o seu avô. Meu pai.
Foi estranho ouvir as palavras ‘seu avô’, pois o pai do meu pai morreu muitos anos antes do meu nascimento e o pai da minha mãe havia desaparecido no meio dos anos setenta e antes disso, a minha mãe havia recebido somente duas vezes notícias dele, vindas de duas cartas, sendo que a última tinha chegado para ela quando eu ainda estava em seu ventre.
Minha mãe raramente falava sobre os seus pais, uma ou duas vezes a ouvi dizer coisas do tipo: hoje minha mãe faria setenta anos ou meu pai adorava comer bolo de chocolate acompanhado de chá.
Mas naquela tarde, com meu avô dormindo no sofá, ela me contou toda a história de sua vida ao lado de seus pais, com uma riqueza de detalhes impressionante. Descobri que até aquele momento eu não a conhecia, e que dali por diante nossa relação tomaria outro rumo, eu só não sabia qual.
ivy MENON
Eu quero sabe o restante da história!!!+