Um trecho do romance de Evanilton Gonçalves
Evanilton Gonçalves nasceu em Salvador, Bahia, onde reside. Participou, como escritor convidado, de diversos eventos nacionais e internacionais. Já teve contos publicados em diversas revistas e antologias dentro e fora do Brasil. Publica crônicas regularmente no jornal A Tarde. Editou, junto com o poeta Ricardo Aleixo, a revista de literatura Organismo nº 8. Publicou o livro de prosa curta Pensamentos supérfluos: coisas que desaprendi com o mundo (Paralelo13S, 2017) e o romance O coração em outra América (Paralelo13S, 2021).
Entrei na loja e lá estavam as três moças. Pensando bem, eram quatro. Uma estava um metro acima de minha cabeça e, lá do alto, me encarou, se segurando na escada com a mão esquerda enquanto a outra mão depositava uma caixinha num buraco cheio de outras iguais.
As duas atendentes atrás do balcão me disseram hola e o entusiasmo, acho, fez surgir então a quarta atendente que saiu de uma porta ao fundo, disse hola também, e depois sorriu encostada na parede. Todas elas sorriam com simpatia enquanto eu arriava a mochila, as malas e eram tantas coisas que ocupei boa parte da pequena loja.
Puxei o celular do bolso. Retirei a capa protetora. Apontei o que desejava.
A moça da escada já estava embaixo. Ágil, pegou meu celular e perguntou de onde eu era. Um cheiro bom a envolvia. Contei sobre minha origem.
As outras três atendentes se precipitaram entusiasmadas e falaram de uma só vez o nome do meu país. Naquele exato momento, senti um calafrio terrível atravessar o meu corpo. Mal tinha chegado e aquilo me levou de volta. Meu cérebro processou milhares de imagens em frações de segundos. As imagens começaram a rodar, se transformando em uma espécie de caleidoscópio sinistro. Logo em seguida, a que estava encostada na porta começou a dançar, pelo menos foi o que achei que tivesse visto, e perguntou lá do fundo: ¿Sabes bailar? Eu disse o quê? — mas tinha entendido, falei que não, ri a contragosto ou talvez só tenha conseguido esboçar uma careta. As outras duas atendentes atrás do balcão começaram a cantar muito rápido algo próximo de “Quieres verme hacer aquella paradinha ah ah” e, com a mão na cintura, pareciam aguardar uma resposta. Penso já ter escutado algo assim de onde vinha, mas não sabia o que responder.
As imagens começaram a se dissolver na confusão de pensamentos. Fiquei em silêncio. Naquele momento, uma tristeza queria me dominar, mas o esboço de algo novo começou a se formar em mim, e senti alegria por constatar a reação da atendente que havia descido lá do alto. Ela me lançou um sorriso e balançou a cabeça discordando daquele teatro.
Durante os preparativos para a viagem, havia decorado o aviso de uma amiga que já rodou mundo: Peça um chip atêetê com plano de internet, custa tantos pesos, e você pode utilizar a internet e ligar para quem quiser durante a sua estadia.
Disse isso para a atendente do jeito que pude e a moça da escada logo instalou o chip, segurou meu celular enquanto me explicava os benefícios.
Tentei acessar a internet. Não funciona.
Me lembrei do aviso de Danúbia. Após saber dos meus planos de viajar para o México, ela me alertou: Cuidado com as mexicanas, visse. Cuidado por quê, pensei, mas não escrevi para saber a resposta.
A atendente, muito simpática: Já está funcionando, señor.
Ela sabia que eu não era señor, deveríamos ter a mesma idade. Passei o celular e pedi para acessar, por favor, a internet. Ela o fez e funcionou: milhões de notificações inundaram a tela.
Posso ligar?
Assentiu, pegou a embalagem do meu chip, onde havia anotado meu número, puxou o próprio celular do bolso e me ligou. Com um sorriso me mostrou uma sequência estranha de números na tela do meu celular, que agora vibrava em sua mão. Se quiser, agora já pode encontrar uma mexicana.
As outras três atendentes se entreolhavam caladas e riram como quem diz, nossa, como é ousada e ela olhou para trás como quem diz, sou mesmo, e daí? E todos rimos, enquanto esse diálogo inaudível ecoava em minha cabeça.
A moça que desceu lá do alto para me atender me encarava.
Eu disse gracias. Ela balançava a cabeça devagar para baixo e para cima, sorria e me encarava. Quando me devolveu o celular, nossos dedos se tocaram por segundos. Guardei o aparelho. Por que me olha assim? Não tive tempo de adivinhar seus pensamentos.
“De nada”, ouvi e ergui as sobrancelhas.
Com meus gestos indecisos, sei que pegava e soltava as malas sem saber como carregar tudo.
Não estava com a cabeça na lua, mas fazia mais ou menos 13 horas que voava desde que tinha saído de minha casa e, enfim, acho que era isso, estava no México. Estou na Cidade do México.
Era isso, mais ou menos 13 horas depois de voar pela América, estava ali, olhando para ela e segurando todas as minhas coisas, saindo da loja andando de costas. Sem saber por quê, inclinei a cabeça e os ombros para frente e disse gracias novamente.