Uma carta de Ana Maria Marques
Ana Maria Marques nasceu em Florianópolis, mas viveu a maior parte da vida por aí, em várias cidades. Atualmente vive em Mato Grosso. Professora da UFMT, historiadora e feminista.
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Aos 7 de abril de 2018, Luiz Inácio Lula da Silva foi preso nesse endereço que coloco logo no início da carta. Quando escrevi, três dias depois da prisão dele, não sabia ainda que tornaria o ato de escrever cartas para ele uma rotina em minha vida. Foram cerca de 65 cartas, que escrevi ao longo dos 580 dias em que ele esteve preso. Pulei duas férias e viagens, mas em geral, rotineiramente aos domingos à noite, eu me sentava para escrever para ele e postar em correspondência registrada nos Correios na segunda de manhã. Eu acompanhava o rastreamento. Levava em média 5 dias “úteis” para chegar lá. Então, eu imaginava que nas sextas ele recebia. Dele de fato não recebi resposta. O Instituto Lula respondeu duas vezes agradecendo, e pelo segundo cartãozinho com uma frase escrita à mão com letra bonita (acredito que de mulher) entendi que eles e Lula liam as cartas. Não sei bem em qual ordem até hoje. Já me perguntaram se eu não tinha medo de a Polícia Federal ler as cartas: não, não tinha. E eu sempre cuidava para não pôr objeto de metal ou algo suspeito. Umas duas cartas foram com livro e outras duas com lembrancinhas de viagem. Todas foram com meu perfume – eu borrifava antes de fechar para dar mais personalidade, mas não sei se tinha perfume ainda 5 ou às vezes 7, até 10 dias depois. Claro que eu sempre quis que ele respondesse, às vezes alguém me perguntava: mas ele responde? Uma pergunta que é carregada de outra implícita: por que você escreve se ele não responde? Hoje, acho que eu escrevia muito para mim, para conseguir digerir tantas injustiças e levar para ele coisas boas que estavam a acontecer. Eu sentia que era um mínimo que podia fazer para amenizar a pena. Era uma visão de que estava acontecendo ao longo desse tempo todo – sim, porque para quem está preso é uma eternidade. Agora estou a organizar todas as cartas para publicar em livro. Espero que seja em breve.
Do livro Cartas ao Presidente Lula
Cuiabá, 10 de abril de 2018.
Para:
Luiz Inácio Lula da Silva,
Profa. Sandália Monzon, 210 – Santa Cândida
CEP: 82640-040 Curitiba/PR
Querido Lula!
Desde o comício em Florianópolis queria te escrever. Eu estava lá, no sábado, 24 de março, torrando no sol, na escadaria da catedral, horas esperando para ver e ouvir você. Sim, porque você é impressionante na sua retórica. Tem metodologia própria para falar e encantar. Não digo nenhuma novidade que você mesmo não saiba.
Fui e serei sua eleitora. Fui uma das fundadoras do PT em Nova Trento/SC, nos anos 90, quando ainda era casada e morava em Santa Catarina e, enquanto estava na coordenação do partido, tive oportunidade de apertar sua mão uma vez. Nunca esqueci nem esquecerei aquele aperto verdadeiro e forte. Você deve ter apertado milhões de mãos brasileiras e estrangeiras, não falo isso para que você lembre da minha humilde mãozinha.
Você é uma pessoa que não passa desapercebida na vida de ninguém. E, era para dizer primeiro, mas digo aqui: EU TE ADMIRO MUITO.
No momento derradeiro da sua prisão, quando você se despedia das pessoas na saída do sindicato dos metalúrgicos de São Paulo, no sábado, 7 de abril, eu queria muito te dar um abraço. Cada pessoa que você abraçava e beijava e eu via pela TV, ficava pensando que queria ser eu. Eu sei que era um gesto seu para representar o quanto ama as pessoas, então, me senti amada também. Mesmo agora tão distante, em Cuiabá, onde moro há 10 anos e atuo como professora da Universidade Federal de Mato Grosso.
Quando eu prestei concurso em 2008, sabe, Lula? Tinha terminado meu doutorado recente, em 2007. Trabalhava numa universidade privada há 10 anos, que não contou tempo para me demitir tão logo consegui meu diploma de doutora. Mas foi seu governo que expandiu as universidades públicas e, naquela ocasião, eu prestei talvez o maior concurso que minha universidade promoveu. Eu tomei posse num auditório, eram cerca de 267 professores, se não me engano. Posso dizer que fui uma privilegiada por viver aquele momento. E sou grata a você.
Desde 2016, me afastei de participar do meu Sindicato quando decidiram abraçar a bandeira do “Fora Dilma”. Lamentável. Tiro no pé.
Sou feminista também. E aquilo partiu meu coração. Sigo minha militância na academia, junto aos meus alunos/as, às orientações de graduação, mestrado e doutorado.
Você não está só. Sabe disso. Nunca estará. Muita gente te odeia, mas muito mais te ama. E você saberá selecionar e ficar com as energias boas.
Eu continuo querendo te dar um abraço forte e demorado. Queria te olhar nos olhos demoradamente, numa distância de aproximadamente um metro, senão terei de usar óculos (bom, assim não se vê os “defeitos”).
Lula, eu sou doutora, mas queria ter metade da sua sabedoria e um décimo do seu carisma.
Se um dia você me der uma chance (eu sei que você é requisitadíssimo), gostaria de realizar esse simples gesto de troca de energia, e me sentir mais perto de você.
Eu, além de dar aulas, ter cargo de gestão na coordenação de pós-graduação e orientar pesquisas, realizo trabalho junto a uma penitenciária feminina aqui em Cuiabá. Tenho certeza de que você está bem melhor estabelecido que qualquer uma delas. Mesmo assim, ser privado de liberdade não é do ou para humano algum. Não é obviamente para você que sequer cometeu crime que alegam.
Não deixe o ódio sobrepor ao amor, nunca. Só o amor vence.
Com amor,
[a assinatura a caneta]
Ivy Menon
Emocionou-me,às lágrimas! Aguardo o livro!
ROZANA gASTALDI cOMINAL
Sou fã do gênero cartas. essa então me deixou arrepiada! comecei a sexta com os olhos bem úmidos!