Uma crônica de Anna Maria Moura
Anna Maria Moura é artista marginal que desenvolve pesquisas em relação à literatura (Poetry Slam) e audiovisual negro, culturas de periferia (Batalhas de Rima) e demais intervenções artísticas urbanas desde 2018. Possui formação em Teatro com ênfase em Iluminação Cênica pela Unemat e é graduanda de Rádio e TV pela UFMT. Atua no Coletivo de Audiovisual Negro Quariterê desde 2017. Participou como produtora do curta Como ser racista em 10 passos de Isabela Ferreira.
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Crônica-poética
As mensagens de alerta nas ruas me remetem a Ellis cantando com a docilidade da sua voz, com um gesto de aviso aos “navegantes”: “Por isso cuidado, meu bem, há perigo na esquina…”. Iminente perigo invisível, na maior parte das vezes invencível, que não desperta atenção de quem se espreme igual sardinha na condução. É o corre do “ganha-pão”, nego. Isolamento verticalizado. Desgovernados. Máscara no pescoço, entalados. Tirar a máscara pra ouvir melhor. Peraí, tem algo errado! Distanciamento? Não tem na fila do supermercado, mas há perdigotos compartilhados no trampo, no banco, nas ruas, quase que lado a lado e, no final, UTIs e cemitérios lotados. Ney Matogrosso hoje cantaria assim (meio desolado) para a juventude que se aglomera no busão lotado: “Sem pão, sem vacina, sem ‘rosas’, sem nada”. Terceira onda da doença já aponta e, para muitos, nada da revolução digital. Então é “pau é pedra, é pedra e pau”. Pau de selfie, ring light e coisa e tal. Eu só os conheço pelo username da rede social. “Irreconhecimento facial” (Ruído Sonoro de Sirene de Alerta). Pendulicários de nós mesmos reproduzindo sorrisos amarelos, psicose e medo. (Ruído sonoro de sirene cessa)
E as flores? Nos nossos campos já sem vida, nos nossos peitos… (Ruído sonoro de batida cardíaca) dissabores. Nos lugares por onde eu andava rodeado, hoje há abraços contidos, reprimidos, mas às vezes é escondido que rola um afeto, um sentimento quase esquecido. E nos olhares cúmplices… há sorrisos. Fagulhas e lampejos “apagados pelo sofrimento”, diria a Gal. É pau, é pedra lascada, atrito das palavras. É pedra e pau. O medo da morte nos levando de encontro ao desconhecido, acesso a outros universos nunca antes vistos. E, ao sair da bolha de conforto, rola incômodos e conflitos. É pau de selfie e cinco pedras nas mãos, linchamento virtual e cultura do cancelamento ativando microfascismos internos. Os haters da internet são “brabo memo”. Não passa nada, manin. E juízes das ações alheias julgam o que acham que é certo. Mas fica esperto, que aqui passa tudo, já dizia Áurea Maria: “Filho, profissão e ainda por cima estudo”. Desafio mútuo, web-aula do filho no mesmo horário que faço meu curso. Gestão de tempo e autocuidado no “mode ON”: Lavei louça, roupas, banheiro, passei café e fiz skincare, tudo isso com a câmera desativada e o microfone no mudo. Mas agora que me lembrei, que, da aula, esqueci o conteúdo. Déficit de atenção, disseram os especialistas do assunto. Imagina, então, pra quem tem deficiência auditiva? A expressão facial é referência para quem se comunica através das LIBRAS, por isso imagino que, de máscara, a intenção facial ou leitura labial pouco se defina.
– Tem que ter foco e disciplina, menina. Eles disseram.
E eu só penso em quem mal tem acesso a todo esse universo. Como que atinge equidade com quem nem percebe os próprios privilégios? Sobre privilégios, falo sobre o fortalecimento de laços com a família. Referencial de identidade, valorização do fator humano nas relações em nossa vida.
Mãos que se entregam ao novo jeito de cumprimentar. Gesticula-se mais ao falar e é o corpo quem fala e tem seu próprio linguajar, ANCESTRAL, que carrego comigo em meus movimentos meio rígidos, quadris que se mexem ao andar, como de pisadores de cacau do Brasil-Colônia, num silencioso ritmo. Passinho quase que metalinguístico ao tentar RETRATAR o momento vivido e referenciar com o que fomos antes disso. E, hoje em dia, até exame tem para revelar as Origens de quem teve o passado apagado pelo trágico genocídio.
Um desses programas de entrevista apresentou um homem que havia realizado o exame para comprovar a eficiência de tal indício. Ao chegar na posição do mapa indicada pela genética, as mulheres locais o confundiram com um homem da região pelo movimento de seus quadris e seus traços físicos. Ligações com os povos originários através dos nossos hábitos e formas de convívio. Aldeia Global que fala, né!? E a moda também se adequa ao incansável estímulo, sapatos e roupas que só existem no mundo virtual para satisfação de quem já gostava dos filtros. As mudanças do contato moldam os hábitos de consumo. É a comida delivery substituindo o pastel fresco da feira, numa manhã de domingo. Obras de arte e livros físicos em forma de suco detox dos excessos tecnológicos cometidos. Sobre hábitos para bom convívio: Fale somente no momento de silêncio do microfone alheio no mundo.