Uma crônica de Marilia Kubota
Marilia Kubota é poeta e jornalista, nascida no Paraná. Autora dos livros de poesia Diário da vertigem (Patuá, 2015), micropolis (Lumme, 2014) e Esperando as Bárbaras (Blanche, 2012) e organizadora das antologias Um girassol nos teus cabelos – poemas para Marielle Franco (Quintal, 2018), Blasfêmeas: Mulheres de palavra (Casa Verde, 2016) e Retratos japoneses no Brasil (Annablume, 2010). É Mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná.
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CANÇÕES POPULARES JAPONESAS
Há uma canção japonesa, “Ue wo muite arukou”, que fez sucesso nos anos 60. O título pode ser traduzido como “Ande olhando para o céu”. Como o título japonês é complicado para entendimento de um público mais amplo, com uma tradução poética demais, foi rebatizada como “Sukiyaki” nos Estados Unidos. Hoje em dia haveria desconforto na comunidade asiática em chamar uma canção com o nome de uma comida japonesa.
A letra aborda um fracasso amoroso e incita o amante rejeitado a seguir em frente, de cabeça erguida. Em 1963, atingiu o topo das paradas de sucesso americanas. Tornou-se hino para os japoneses. Na verdade, não é uma canção romântica. O autor, Rokusuke Ei, escreveu o poema enquanto voltava de um protesto de estudantes contra a presença militar americana no Japão.
Os americanos ocuparam o Japão depois da derrota na 2a. Guerra Mundial, de 1945 a 1952, comandados pelo general Mac Arthur. O comando militar se retirou, mas os japoneses continuaram tutelados pelos americanos. O protesto de estudantes era contra a manutenção do poder americano na Ásia. Apesar do protesto dos jovens, o acordo continuou.
Nos Estados Unidos, “Sukiyaki” funcionou para que os americanos revissem a ideia estereotipada e vigente até então, de que os japoneses eram inimigos, provenientes de uma raça indecifrável e perigosa. A canção mudou a percepção dos ianques, fazendo ver que aqueles tomados como inimigos em tempos de guerra eram pessoas com emoções.
Muitos artistas gravaram a canção, inclusive brasileiros. Daniela Mercury interpretou uma versão, cantando em japonês. Para levantar os ânimos dos desabrigados pelo tsunâmi ocorrido na região nordeste, em 2011, músicos japoneses gravaram “Ue wo muite arukou”, com arranjos modernos.
Outra canção popular japonesa é “Shima uta”, ou Canção (uta) da Ilha (Shima). A ilha a que se refere a canção é Okinawa, que até hoje abriga uma base militar americana. Muitas estudantes foram mortas ou se suicidaram na região, durante o final da Segunda Guerra, por terem sofrido abusos e violência sexual perpetrados por militares.
Os okinawanos – um povo com uma cultura solar, alegre e colorida – foi castigado durante o embate. Oferecidos em sacrifício pelo Império Japonês, os jovens foram levados para lutar contra os aliados. Mulheres, crianças e idosos ficaram em casa, e a chegada de tropas americanas levou a uma carnificina. Foram mais de 200 mil vítimas fatais.
Tanto “Ue wo muite arukou” e “Shima uta” são cantadas em escolas e nos karaokês de clubes nipo-brasileiros. Não sei se nas escolas e nos karaokês é conhecida a origem de tais canções. Fato é que se tornaram populares no mundo todo e caíram na boca do povo.
Links para as canções
Ue wo muite arukou
Primeira versão em japonês:
https://www.youtube.com/watch?v=C35DrtPlUbc
Gravação de Daniela Mercury:
Gravação para o Tsunâmi 2011:
https://www.youtube.com/watch?v=fNCYpSwg2fA
Shima Uta, por Alfredo Caseros