Uma prosa poética e um poema de Leo Bardo
Leo Bardo formou-se bacharel em Artes Cênicas pela Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR-FAP) em 2017, com ênfase em performance arte, direção e dramaturgia. É artista residente do coletivo Casa Selvática desde 2016. Atualmente envolvido em processos em que a multidisciplinaridade seja o eixo de sua composição em arte, que passa pela pesquisa, escrita, produções em vídeo-arte, performances e instalações. Já participou de festivais de Teatro e Artes Visuais no Paraná, Santa Catarina, Rio de Janeiro e São Paulo.
É artista selecionado da Despina Rio para compor o programa de residências e pesquisa continuada em arte contemporânea, a realizar-se no segundo semestre de 2020. Atua como propositor, organizador e curador na mostra PESO EXPANDIDO – Táticas Móveis em Arte Contemporânea, caminhando para sua 5ª edição.
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O sonho e o lagarto
31 de março de 2020
Parei de anotar os meus sonhos. Não sei se por não lembrá-los ou se as viagens astrais estancaram-se no tempo-espaço de meu sono pandêmico e, por isso, medroso e frágil.
Sinto-me do tamanho de uma formiga. Qual é a resposta? Dentre todos os modos e mecanismos para a criação e levantamento de muros pelo mundo, a vida curta e incrivelmente repugnante do século 21 apresenta-nos ao muro do isolamento social horizontal por tempo indeterminado.
Vejo um lagarto no muro. O mesmo lagarto, no mesmo muro, todos os dias. Sob pretexto do mesmo trajeto realizado esperançosamente como exercício de condicionamento físico quando, em verdade, é uma estratégia para não morrer ou não deixar-se enlouquecer. Penso que se passo todos os dias pelo muro e olho o lagarto – todos os dias – posso chegar ao ponto de ter coragem de, com minhas próprias mãos, pegar o lagarto.
Aqui, pegar o lagarto do muro seria no entanto senti-lo transmutado em medo dominado. O medo do lagarto me faz imaginá-lo entre as minhas mãos. Pegar o lagarto é, então, acordar do sonho.
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eu forasteira clandestina enviada
pai, eu forasteira, clandestina, enviada
eu agora escrevo obscenidades e digo: poesia
estou nu
desprotegido
exposto
meu corpo neste grande ritual
NOITE – ESPAÇO GRANDE
a linha obscura do mundo
corta a cena
atravessa peles porosas
chacoalha cílios
aguardente no retrato do mundo
ao que dizemos: risquem as facas!
neles
um maiô corpo desviado manequim ultraxamânico peruca fudida
nós evocamos santidade cometendo o pecado da existência
no barroco infinito
my little pussy xavasca xamã
no barroco infinito
my pussy revista
no barroco infinito
na esquina da Nunes com a Getúlio Vargas
um beijo molhado
na nuca quente
no pau enrijecido
resplendor de mim mesmo
(pensou ter adentrado um prostíbulo)