Uma resenha de Fernando Andrade
Fernando Andrade, 51 anos, é jornalista, poeta, e crítico literário. Faz parte do Coletivo de Arte Caneta Lente e Pincel. Participa também do coletivo Clube de leitura, no qual tem dois contos em coletâneas: “Quadris” no volume 3 e “Canteiro” no volume 4 do Clube da leitura. Colabora na revista literária Literatura e fechadura com resenhas de livros e cd’s e entrevistas com escritores, poetas e músicos. Tem dois livros de poesia pela editora Oito e Meio, Lacan Por Câmeras Cinematográficas e Poemoemetria, e Enclave (poemas) pela Editora Patuá. Seu poema “A cidade é um corpo” participou da exposição Poesia agora em Salvador e no Rio de Janeiro. Lançou, em 2018, seu quarto livro de poemas, a perpetuação da espécie, pela Editora Penalux. E lançou, no final de 2019, seu primeiro livro de contos Logaritmosentido, editora Penalux, que pode ser adquirido aqui: (https://www.editorapenalux.com.br/loja/logaritmosentido).
A seguir, Fernando Andrade apresenta uma resenha sobre o romance A partitura de Clara de Silvia Gerschman.
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Romance histórico A partitura de Clara, numa engenhosa tessitura híbrida, refaz os caminhos poéticos da vida de Clara Schumann e o marido Robert Schumann.
Redigir um texto ou apenas fitá-lo num ensaio? Discutir um assunto por todos os focos que sua lente, através da linguagem escrita, alcançar. Ensaiar um texto, não escrevê-lo, mas sim, batê-lo como um jogo múltiplo entre memória e história. Mas como encenarmos a História, reprisando-a literal como aconteceu? Não, de forma nenhuma.
Talvez se encenarmos ou criarmos um ensaio com suas vestes da ficção, como a escritora Silvia Gerschman fez em seu romance histórico A partitura de Clara, da Editora Penalux. Num movimento play do pendular, com personagens reais, como Clara Schumann e Robert Schumann, compositores e músicos clássicos, numa revitalização de um enredo biográfico para um romance tão moderno, não basta apenas recriar através de um pesquisa histórica os eventos relacionados à vida dos biografados.
É necessária a trama do fio de Ariadne para laçar este enredo em um processo híbrido de ficção com a massa histórica. Silvia faz esta bela urdidura de toda a intimidade do casal quando compõe as peças musicais da trama, operando sempre numa clave de Gêneros em estilos que conversam pela ação do cinema em curso.
Mas voltemos ao ensaio como forma de atualização de uma ficção onde presente e passado dialogam entre si de forma quase ontológica. A autora cria uma faceta ficcional para investigar uma partitura sumida no tempo, que Clara teria composto. Dois amigos, cuja amizade parece influenciar os ramos do enredo, partem para a Alemanha para correr atrás desta partitura desaparecida, buscando principalmente os descendentes da compositora. Aqui a autora tece narrativamente uma curiosa relação entre como a ficção pode operar a história não como um bloco único e isolado ao presente e até futuro.
A trama funciona para frente, para um futuro em que só os personagens na ficção podem acionar os lapsos e vácuos da lembrança em moldes do que já ocorreu. Silvia recria muito habilmente toda uma faceta de como as relações de gêneros se estabeleciam na época, claro que não muito diferente de como é agora. Clara, uma artista que traça seu processo criativo com uma intensidade vibrante como mulher que não se diminui perante a sociedade vigente, onde a esposa deveria apenas cuidar dos filhos. Robert, acometido por uma sífilis que lhe acarretará surtos de loucura, se vê cada vez mais impossibilitado de criar novas composições.
Uma forma atenta de mover o olhar do leitor perante a trajetória dos dois e esta investigação que o leitor também se coloca, enquanto veste de suspense na herança cultural da partitura. Silvia cria interfaces entre como o olhar desta investigação é simbiótico como os fatos quando a partitura deixou a posse de Clara. É tudo um movimento único e intercambiável. Como o sumiço de uma obra pode operar na arqueologia de como dois artistas encadeavam suas vidas perante o movimento simbólico das peças musicais que criavam.