Uma sequência de poemas de Annita Costa Malufe
Annita Costa Malufe (1975), paulistana, poeta, é pesquisadora do CNPq e professora na pós-graduação em Literatura e Crítica Literária da PUC-SP. É autora, dentre outros, de Poéticas da imanência: Ana Cristina Cesar e Marcos Siscar (7Letras/ Fapesp, 2011) e de sete livros de poemas, dentre os quais, Quando não estou por perto (7Letras/ Petrobras, 2012) e Alguém que dorme na plateia vazia (7Letras, 2021).
Os poemas abaixo integram o livro Alguém que dorme na plateia vazia.
***
então nada nada o peso
de nada nada mais nas
mãos nas costas nada nos
ombros a caixa vazia a vista
esticada até o avesso
nada nem uma poeira
de palavra a bacia de
ferro o pote de barro o
chão de terra e o cheiro
de lenha coado pelo vazio
esticado pelo vazio até
a distância que pude
ver depois de alguns
minutos foi o que ela disse
eu nunca estive aqui
nunca mas nada seria
mais familiar
estou sem resposta ela
disse estou
vigiando o oco do tempo
o oco do espaço estou
no oco do espaço não
estou em parte
alguma?
ela perguntou e
depois afirmou
não estou em
parte
alguma
nem uma poeira de palavra nem
um traço na areia nem as
imagens as coisas nem
as poucas imagens que ficaram
nem um gosto ou cheiro apenas
este vazio esticado e muito
branco duna contra
céu de pedras cinza sobre
cinza branco sobre branco uma
faísca e depois nada jamais
estive aqui eu disse como
se falasse para alguém e
quem mais saberia disso nem
um traço ou marca
nada seria mais
familiar nada a não ser esta
distância alargada o céu
cobrindo o corpo inerte no
solo sob a brisa
morna e cor de carne
nada nada nem
um traço o gesto
esvaziado de intenção o
nada o vazio
o vácuo e os metros adiante
tão azuis tão visíveis
e sem medida
estou me acostumando com o
vazio quase posso
ouvir são ondas
horizontais uma em
cima da outra uma
sobreposição de ondas
de ar e sinuosidade
quase posso tocar
a espessura das
ondas a
ventilação um
embaçamento da pele
que se dobra e se
dobra sobre si uma
prega de pele
uma rugosidade pele
espessa se ouriçando com
as ondas que se dobram e
se dobram indefinidamente
a superfície do ar e
sobre mim
o instante em que
pude tocar o
vazio e o instante em
que o outro lado se
deu como um sopro uma
rápida vertigem o
vazio se virando com
o vento uma dobra sutil
na ponta do guardanapo
aberto sobre o colo