Valentina Feita de Arco-Íris – Episódio 3
Valentina Feita de Arco-Íris
(Série Policial em 6 Episódios)
Episódio 3 – Uma Verdade e Cinco Disparos de Arma de Fogo
– Certa vez, conheci uma jovem, 19 anos, prostituta. Estava louca para fazer dinheiro, queria ir pra Alemanha… Ela tinha uma tia que vivia por lá. Eu a prendi em um cassino ilegal. O local pertencia a um assessor parlamentar. Pelo menos, era a minha suspeita. Rolava grana alta. Ah, o nome da menina era Eva Maria. Eu tinha a informação que esse assessor dava festa regadas a bebidas caras e com muitas garotas de programa. As minhas investigações apontavam que o lucro do cassino era injetado no tráfico de armas. A Eva sempre frequentava essas festas. Eu prometi a garota, como recompensa, a passagem para encontrar a tia, em Dortmund. Ela se tornou minha informante. Mas, Sabrina, a história terminou mal, pois eu inclui nela erros de julgamento, e dos mais descuidados possíveis. Eu tinha um parceiro barra namorado na época. Ele não fazia parte da força-tarefa que investigava a relação do assessor com o tráfico de armas… Só que eu confiei a ele um papel na trama: o de vigiar/proteger a Eva quando eu não podia estar de olho, logo após as festas. Uma noite, a Eva foi encontrada num contêiner, com um tiro no peito. No relatório, coloquei que a perdi de vista nas proximidades da Rodoviária… Ela morava perto… Com o tempo, a investigação do caso avançou e descobrimos que alguns policiais estavam na folha de pagamento do chefão do tráfico de armas. E, agora, acredito que você já decifrou a charada, Sabrina. Na lista estava meu namorado, T.G., Teófilo Gama. Logo, ficou comprovado que era ele. Eu já tinha certeza disso. O que fiz? Confrontei o safado, discutimos e trocamos tiros. Cinco balas perfuraram o corpo dele. Ele me atingiu no ombro direito… Aquilo doeu pra caralho. Eu não fui indiciada pela morte do Teófilo. Mas, paguei por mentir em depoimento e pelos relatórios não conter o nome dele quando me substituía na vigilância. E aqui estamos! Fim da lamentação!
Sabrina observava Valentina dormir. A secretária estava insone e a detetive num sono profundo, pós-embriaguez, estado comum desde que Sabrina conheceu a chefe. Ela imaginava como deveria ter sido difícil para Valentina contar-lhe nessa noite o que desejava esquecer com todas as suas forças. Mas o passado é regido pelas Fúrias. Abrimos os olhos, respiramos e a história é recontada. Perseguição alucinante em terreno aberto. Não há labirintos ou esconderijos. Valentina temia Nêmesis e Mnemosine. Brincava, com seriedade, que a bebida era para esquecer e para ficar alerta, encarar a morte de frente. Sabrina acendeu um cigarro, foi até a janela, e tragou com gosto, sentindo a nicotina, o medo pelos sinais das batalhas que Valentina carregava e a felicidade por tê-la em sua cama.
A detetive examinava a foto em que Paola comandara o ensaio sensual da filha. A menina, com uma pose desafiadora, está vestida como uma dançarina de cabaret dos anos 1940. Mais uma mentira. Mais um mistério. Teria que conversar com a Tedesco e descobrir quem enviou as fotos. Encarou a garrafa de uísque. Pela primeira vez, em anos, considerou que dez da manhã era cedo demais para ingerir sua sagrada aguardente de cereais com cerca de 40% de álcool.
Depois de averiguar que Muñoz não havia enviado o envelope, seguiu em direção a Tedesco & Valadares Buffet. Com a foto, Valentina imaginou ser capaz de criar uma hecatombe no ramo dos alimentos servidos frios ou quentes. Em que Paola estava metida? Uma rede de prostituição de luxo? Nesse momento, um som de uma arma de fogo sendo descarregada rasgou o meio-dia de uma quinta-feira ensolarada. Um dos pneus do automóvel vermelho da detetive fez um estrondo, assustando os transeuntes, e o carro se chocou com um outro igualmente vermelho, estacionado na entrada da Av. Getúlio Vargas. Pânico. Ambulância. Viaturas policiais. Curiosos. Testemunhas repetindo que o atirador estava em uma moto. Valentina se lembrou do dia em que encontraram o corpo de Emily Tedesco. Nua, extremamente exposta, com suas feridas mortais e mistérios. Quem era Emily? Depois de não achar respostas, a detetive percebeu o sangue escorrendo do supercílio esquerdo cortado.
– Escapou de um belo atentado, Feita de Arco-Íris! Ou o cara é ruim de mira ou isso foi uma ameaça. Se quiseram te assustar, é porque algo de podre você já sabe. Além da foto…; Muñoz ficou em silêncio, aguardando a revelação de uma trama abominável.
– Nada. Desde hoje cedo. Ia justamente conversar com a Paola.
– Escapou de um belo atentado; e o homem da lei sorriu, aliviado por não precisar relatar uma tragédia.
De volta ao escritório, a investigadora particular foi informada por Sabrina que Claudiney Ferraz havia telefonado e que a conversa com ele foi mais anema, até reconfortante, já que o jornalista expressou preocupação com o estado de saúde de Valentina. A detetive leu nos olhos da secretária o alívio por vê-la inteira, sem ferimento grave. O corte não incomodava. Uma onda de afetos a invadiu. Considerou beijar Sabrina. Conteve-se.
– Mas, Valentina, ele disse algo que me intrigou, pois lembrei das fotos, sabe? Ele falou, “Ela curtiu o meu presente?”. E ficou em silêncio por um momento. Em seguida, riu. Parecia empolgado.
– Bom, está claro que os três não são tão fiéis quanto desejavam simular.
Um jogo de espelhos, que alongava o caminho, encurtava a esperança, distorcia os fatos. Paola a contratara para encontrar a filha desaparecida. A morte de Emily rivalizava com a de Eva Maria no coração soturno de Valentina. Sentia-se culpada pelo mundo vil em que as garotas nasceram. Sentia-se culpada por elas não respirarem mais. Os segredos de Paola, Claudiney e Agenor poderiam revelar o assassino de Emily. Ou assassinos. Valentina, sentada no chão de seu escritório, dispensando o uísque do final da tarde, ousou pensar que somente ela tinha o poder de descobrir a verdade. A chocante verdade sobre a morte de uma menina rebelde e carente. A detetive decidiu dormir em casa. Não iria impor sua angústia a Sabrina.
Valentina decidiu fazer uma visita surpresa a Claudiney Ferraz, se bem que tinha a consciência de ser esperada.
– Detetive, que bom revê-la. Com certeza se sente renascida?
– Não é a primeira vez que tentam me matar; disse Valentina, caprichando na expressão zombeteira, que logo se transformou em uma de frieza. – Quero falar sobre o envelope… Recebi o teu presente.
Ferraz ficou em silêncio, ofereceu café e depois uma dose de uísque. Valentina recusou. Usou o trabalho como desculpa. O que importava era a sobriedade. E Emily Tedesco. E Eva Maria. E a fé de Sabrina.
– Emily te pediu ajuda, não foi? Você não a namorava coisa alguma. Ela queria fugir?
O característico silêncio de Ferraz surgiu e permaneceu por um bom tempo. A detetive encarava o dândi e toda sua afetação forjada. Bengala, trejeitos, sorriso cativante e olhar de quem esconde um mapa do tesouro.
– Eu acredito que a Emily detestava o que a Paola obrigava ela a fazer. Não é?; insistiu Valentina, chegando a soar como provocação. – Pode falar, Ferraz. De alguém que deseja justiça para alguém que quer fazer justiça.
Ferraz decidiu por beber uísque.
– Estou na redação do meu jornal. Deveria dar o exemplo, mas hoje o dia está confuso. Preciso arejar a cabeça.
– Você me enviou o envelope. E não sente medo. O que é? Sei que Paola é ou era tua amiga. Talvez não queira expor Emily.
– Não me entenda mal, detetive. Acho que ontem foi uma noite de lembranças impertinentes. Me deixei levar.
– Ferraz, o conteúdo do envelope é prova. Cedo ou tarde, terei que entregar à polícia. Na verdade, antes, precisarei confrontar a Paola.
Mais uma vez o silêncio de Ferraz. Uma barreira intransponível de algo que estava para além da dúvida. A investigadora sentia a culpa também em seu suspeito ou testemunha. E Emily, a vítima? Vocábulo que Valentina detestava. Emily! Emily!
– Detetive, eu tenho uma verdade para contar; disse Ferraz, já recomposto, com a autoconfiança de quem vai revelar a localização do El Dorado.
Valentina observou o homem com severidade. Criminoso ou aliado?
Continua.
Em breve o quarto episódio: Ninguém Me Prometeu o Céu.
(Arte: Larmes d’Or, de Gustav Klimt)