Vozes de mulheres negras na literatura – Por Maria Ferreira
Na coluna mensal “Ubuntu” (clique aqui para acessar todos os textos da coluna), Maria Ferreira escreve ensaios sobre Literatura Negra, buscando evidenciar aspectos de livros escritos por autores contemporâneos ou clássicos. O título da coluna faz menção ao significado da filosofia africana que diz “Eu sou porque nós somos”, uma lembrança de que as atuais conquistas por espaço e reconhecimento são frutos de uma luta e reivindicações de quem veio antes, que, portanto, devemos honrar quem abriu os caminhos que hoje pisamos e tenhamos consciência de que também estamos abrindo caminhamos na medida em que caminhamos. Uma lembrança de que a conquista de um indivíduo, é, na verdade, a conquista de um grupo.
Maria Ferreira é uma baiana que mora em São Paulo. Graduada em Letras-Espanhol pela UNIFESP. Desde 2013 administra o blog literário Impressões de Maria, no qual dá destaque para a Literatura Negra, fazendo um recorte de raça e gênero. É uma das autoras do livro Vozes Negras (Se Liga Editorial, 2019). Além de poemas, também está escrevendo seu primeiro romance.
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Vozes de mulheres negras na literatura
Em um capítulo de seu Pequeno Manual Antirracista Djamila Ribeiro indica que leiamos autores negros, evidenciando o epistemicídio a que esses autores são submetidos. A filósofa explica que epistemicídio é “o apagamento sistemático de produções e saberes produzidos por grupos oprimidos” (RIBEIRO, 2019, p. 61). Essa lógica de apagamento se manifesta em todos os campos da vida, e é possível percebê-la também no meio literário.
É recente a presença marcante de autores negros no mercado editorial brasileiro, mas não é de agora que esses mesmos autores escrevem e publicam. Exemplo disso é a existência dos Cadernos Negros, antologia que desde 1978 alterna entre publicação de contos e poesias de escritores afro-brasileiros. Nomes como Conceição Evaristo, Esmeralda Ribeiro, Miriam Alves, Cristiane Sobral já figuraram em números dessa publicação.
A partir do momento que pessoas negras passam a contar suas próprias histórias, a partir do momento que elas se tornam sujeitos e não mais objetos de estudo, é possível construir um mundo mais diverso, que permite que diferentes pessoas tenham acesso a diferentes realidades. A história não é mais contada do ponto de vista dos vencedores, porque não há vencedores, há impositores.
Ribeiro faz ainda um apontamento muito pertinente: “Se somos a maioria da população, nossas elaborações devem ser lidas, debatidas e citadas” (p. 64). O recente aumento de livros escritos por pessoas negras nas prateleiras das livrarias, em locais de destaque, o aumento de leituras e indicações reflete também um aumento de demanda. As pessoas estão lendo, gostando e buscando mais leituras que diversifiquem seus conhecimentos de mundo e que também retratam suas experiências.
Por muito tempo publicações como o diário de escritoras como Carolina Maria de Jesus, não eram consideradas literatura, ou no máximo eram tratadas como algo de menor importância. Agora seu Quarto de Despejo é leitura obrigatória de vestibular. O que é um grande avanço no sentido de tornar suas produções mais conhecidas e de evidenciar a importância de leituras como essa.
Carolina Maria de Jesus escreveu sobre suas experiências pessoais enquanto mulher negra e moradora de favela e também expôs a realidade política daquela época, entre os anos de 1955 e 1960. Ler sua obra nos faz refletir se o Brasil teve avanços em sua política e na forma de assistir aos mais necessitados. Pleno 2020 e Carolina Maria de Jesus permanece atual: ”O Brasil precisa ser dirigido por uma pessoa que já passou fome. A fome também é professora. Quem passa fome aprende a pensar no próximo, e nas crianças”.
As autoras negras precisam ser lidas, não porque são negras, mas porque sua cor de pele não interfere na qualidade de sua obra. O que interfere é o mercado editorial e seu funcionamento racista. O que interfere é o epistemicídio que faz de tudo para invalidar suas produções.
Djamila Ribeiro encerra o capítulo dizendo “Precisamos ir além do que já conhecemos” (p. 67). Que cada vez mais mulheres negras escrevam suas histórias. Que cada vez mais essas mulheres sejam lidas.