Três poemas de Marília Floôr Kosby
Marília Floôr Kosby nasceu em 1984, no extremíssimo sul do Brasil. É autora dos livros Os baobás do fim do mundo (Editora Novitas, 2011, poesia), Nós cultuamos todas as doçuras (Editora Escola de Poesia, 2015, ensaio de antropologia) e Mugido (Coletivo Garupa, 2017, poesia – Finalista do Prêmio Jabuti [até o momento]), dentre outros. Inventou e pôs no mundo a experiência Buscando a letra xucra: iniciação em poesia desgarrada.
Os poemas abaixo são inéditos.
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foz
avíos de exílio:
partir navios que não exalem
ares de negreiros
embarcar numa arca
que nos arque aos bandos
e que nos leve a um porto
que nos comporte às levas
cavar canal por sobre a cova
um raso estreito pra desova dos estranhos
(nós)
das entranhas a foz
içar um barco à vela
com ânsias de vará-la
vala incomum, atlântico oculto
à tona em mim
atlas do fogo nas mãos da água
afogas aos afagos
diabos ávidos
por êxodos
*
poliedras
a mulher que vive
comigo me contou
que as bactérias primas
das bactérias da peste
bubônica vivem hoje
nos frigoríficos
e que os judeus
descendentes dos judeus que sobreviveram
à peste
hoje têm doença de crohn
e que as demais pessoas
que hoje têm
doenças inflamatórias
intestinais
são descendentes dos sobreviventes
da mesma peste
a mulher que vive comigo
me contou que os genes
que salvam uma geração
desgraçam as seguintes
não sei para qual casa
dessa roleta rolou
minha pedra
não sei
qual geração é a minha
(vou bem de saúde, monsieur)
na fila do serviço de estrangeiros
as imigrantes
muitas têm alguns filhos
a mulher quer que eu geste os nossos
qual geração será?
*
todos os dias
vinho do meu peito vinagre
suco de minhas pernas sangria
no pisoteio caldo de qualquer coisa
barro de meus olhos tijolos
brita de minhas ancas paralelepípedo
no manuseio farelo de qualquer coisa
a fome nos refúgios
a sede nos refúgios
veneno nos refúgios
as crianças nos refúgios estamos lá