Cinco poemas de Fernando Maroja Silveira
Fernando Maroja Silveira nasceu em Belém do Pará e escreveu os livros Cinzas (Editora Paka-Tatu), O escravo do vazio (Editora Penalux) e Vênus de Milo em Ferentari (Editora Penalux).
Publicou em diversas revistas literárias (Zunai, Subversa, Mallarmargens, Gueto etc.) e está entre os poetas da antologia “O vento continua, todavia” (Editora Kotter).
Todos os poemas abaixo integram o livro Vênus de Milo em Ferentari.
***
Budapeste
Você está sozinho
E roda a cidade no táxi amarelo,
Sonhando que o rumor do vento é a voz aniquilada
De Aquiles e Heitor
E de outros deuses e heróis mortos
Na teia do mundo ateu.
Você pede ao motorista para acelerar mais do que nunca,
Até a velocidade transformar o carro numa flecha,
No vulto dourado na madrugada,
No vulto de um anjo.
*
Lendo Roberto Bolaño pela primeira vez
Entre as ruínas de Roma
E as gotas de urina que dormiam
Dentro do vaso sanitário,
Eu lia Roberto Bolaño pela primeira vez,
Deitado…
Lembro da lua me dizer
Que homens solitários são balas
Na arma da roleta russa.
Lembro da caneta escapar da mão
E cair debaixo da cama.
Lembro de meus dedos tatearem no escuro
E da mão se tornar uma aranha,
Percorrendo as entranhas de um César,
Assassinado pelos detetives selvagens.
*
No quarto do hotel
Se os deuses não escrevem na parede
Os versos chamados sombras
E se todas as palavras do poeta foram presas
Na teia de titânio,
Um homem será obrigado a vestir o seu casaco preto
E perambular no frio das ruas desertas.
É um simples homem de casaco preto,
Que se tornará a sombra do mundo.
Madrid, 31.10.2018.
*
O cisne de Harar
Para Arthur Rimbaud
Filho do sol,
Suturadas são as chagas no caminho reto
Das linhas do papel,
Mas as tuas se enrolaram na teia da aranha
E se cortaram no arame farpado,
Onde a veia se abre para os sabres
E os braços para a cruz.
Tu eras a Lolita de Verlaine e a lótus no deserto,
De pernas e pétalas abertas,
Do ventre amigo ao vento de areia,
Entre o espinho dos cactos e o arame farpado,
Em que as linhas do papel assinalam
O caminho reto para a poesia.
Mas era hora de fechar os livros para sempre,
Se havia apenas mofo e teias de aranha,
Quando as linhas eram serpentes no papel
E Paris parecia tua cadeia
Nas ferragens e no fel da Torre Eiffel.
Ó cisne de Harar,
Era tempo de escolher a vida contra a arte
E ser o descrente que ama a luz,
A viver na cruz dos ateus.
Era tempo de buscar o deserto,
Onde Atlas abriu a mão
E o mundo caiu no infinito de areia.
Ó filho do sol,
Chegará a hora do teu pai voltar à Cidade Luz
E revelar quem ilumina o mundo.
Teu pai derreterá as ferragens da Torre Fel
E libertará a vida.
*
Vergonha
Um sábio me disse
Que toda a distinção entre homem e deserto
Reside na vergonha.
Nossas lágrimas escorrem na fronteira
Entre o visível e o invisível,
Mas o deserto chora lágrimas de areia,
Disse-me o sábio.