Cinco poemas de Francisco Gomes
Francisco Gomes (cor)rompeu a existência em 1982 (Campo Maior – PI), mas reside em Teresina (PI). É poeta e músico. Iniciou duas faculdades – História e Letras/Português, abandonando ambas. Publicou quatro livros, entre eles: Poemas Cuaze Sobre Poezias (FCMC, 2011) – vencedor do Concurso Literário Novos Autores/2008, categoria Poesia, realizado pela Prefeitura de Teresina, e O Despertar Selvagem do Azul Cavalo Domesticado (Multifoco, 2018). Edita o blog Pulso Poesia, em que divulga Inutilidades poéticas e afins. Tem poemas publicados em revistas, antologias, sites etc. Dedica-se cotidiana e arduamente à poesia, num trabalho de pesquisa, escrita e contemplação. Participa de Saraus e eventos literários apresentando a leitura poética “A Verve do Verbo”.
***
INSUSTENTÁVEL
É insustentável
acompanhar o ritmo das marés
e perseguir o silêncio
em noites de prévias aventuras.
Seguir quilômetros e quilômetros
de areia
– púrpura ventania
soprando o pó dos desencantos
nas doidas e doídas têmporas
do teu passado…
… tão presente
, de desventuras…
É insustentável
colher a lua
após o pôr do sol de domingo
quando os olhos já não lambem o céu
& as cicatrizes tornam-se feridas.
É insustentável…
Insustentável dar o próximo passo
diante de anjos de sal
que são diluídos
entregues à fluidez límpida
na sede
que cede
ao delirante
desejo líquido…
*
MEUS OLHOS ÁCIDOS NÃO MENTEM
Meus olhos ácidos não mentem.
As flores sempre perdem
a força bruta da beleza.
A suavidade agridoce
, nas coisas
, há tempos me abandonou.
Agora sou
fruto da escassez
, ciente dos experimentos ocres
das ilusões.
Meus olhos ácidos não mentem.
Nossas vozes distantes
impregnam o ar de lamurialâminas.
A volúvel geometria
, das coisas
, já não perpassa meu olhar alquímico.
Agora sou
caçador de mitos
, desfibrando o inaudível dos abismos…
*
HÁ UMA FLORESTA EM MIM
Há uma floresta em mim.
Sim
, há uma floresta em mim
, plantada em meu peito
, bem no fundo
, no fundo mais negro.
Há uma floresta
, densa
, fechada
, úmida e inóspita
no que resta de mim
, onde mariposas em arroubos loucos
pousam e acinzentam
os astros incógnitos da infância.
Há uma floresta em mim
de fria folhagem-faca
, que corta a manhã da saudade…
*
MORRER-FLOR
Tanta beleza
na indelicadeza
de um morrer-flor
, ali, exasperado e frio, tísico silêncio
na lapela do toque no arrepio…
Impossível
a paz em mim
ou
o repousar
entre as tuas pétalas
abertas
radiantes ao fogo-sol profundo
do cio.
*
O CICLO DO VENTO AO CONTEMPLAR AS ESTAÇÕES
I
Cíclico é o distanciamento
entre marés, sereias e marinheiros
: o encantamento com a imensidão
do nunca atingido.
II
Cíclico é aproximar-se
do precipício; sentir o hospício
no sal do venerado cio do instinto
: propulsão do corpo em direção ao vício.
III
Cíclico é abster-se de si
dentro de si na frieza dos dias quentes
sem aparentes desastres
: frágeis limitações do ser.
IV
Cíclico é o além do inabitável sopro do vento
: quando as folhas caem…
Restam outonais abismos
ou silenciosos sussurros
que nos (a)traem?
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