Cinco poemas de Janete Manacá
Janete Manacá nasceu no povoado rural de São Martinho, norte do Paraná. Há 36 anos, construiu o ninho e regou seus sonhos na calorosa cidade de Cuiabá. É Bacharel em Serviço Social, Comunicação Social e Filosofia, pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). No percurso dessa existência é aprendiz na arte de tecer palavras, com elas, compõe versos que a sustentam na travessia do caos. Participou da coletânea SETE – feminino de luas e mares com 30 mulheres brasileiras, e em breve lança os livros Deusas aladas, A última valsa e Quando a vida renasce do caos.
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Recomeçar
Pela janela eu contemplo a paisagem
O cheiro da terra molhada
A chuva dançando sobre a calçada
Estou em terras estrangeiras
Além das fronteiras da minha aldeia
Mas meu corpo sereno se põe a bailar
Há em mim uma saudade silente
Que provoca lágrimas no meu olhar
E convida meus pés a caminhar
Desbravo territórios desconhecidos
Em pensamento, sem sair do lugar
E na distância reverencio meu lar
Em cada encruzilhada o desafio da escolha
Cada passo direciona a rédea do destino
E eu sigo tecendo entre terras e águas do mar
Não sei o que me reserva
Ou se qualquer dia eu consigo retornar
Eu só sei que a vida é um eterno recomeçar
*
Sem sentido
Seu corpo se entrega ao chão
Aquecido pela dor da solidão
E a noite com os olhos fechados
Indiferente à dor do seu coração
Cruel é a vida nas ruas
Com sua opaca visão
Tornam os corpos invisíveis
A perambular sem direção
Leito exposto ao frio noturno
Corpo indisposto e vulnerável
Sangra de dor e desilusão
Diante da indiferença social
A alma doente e a mente esfacelada
A fome a corroer o corpo em aflição
Fecha os olhos em desespero
Indiferente a qualquer provocação
Abatido cede ao sono incontido
E adormece exposto ao perigo
De uma vida sem sentido
De sonhos abortados por conflitos
*
Nua
Hoje estou vestida de letras
Um poema em folha sépia
Desprendida do livro a voar
Em movimentos imprevisíveis
Que inspiram sensações triviais
São letras a compor poemas
Nos retalhos da criação
Meu corpo é apenas um molde
Que dá asas à ficção
Como esse vestido é inspiração
Pode causar revolução
E no êxtase da liberdade se expor a confusão
Com tantas palavras soltas
Despertar maldade e provocação
Mas cuidado com a interpretação
O perigo é iminente
No afã de criar obras e se vangloriar
Você pode revelar a sombra que quer ocultar
Mas de uma coisa eu tenho certeza
Esse vestido é pura ilusão
Criado por delírio inconsciente
Na verdade eu estou nua
E você a divagar sob o efeito da imaginação
*
Ressuscita-me
A música adentra meu peito dilacerado
Minhas amarguras, minhas aflições, meu fado
Na cadência rítmica de um coração cansado
Das dores de um mundo de desigualdades
Trago dentro de mim ruídos e dissabores
Que rasgam a carne do meu corpo destroçado
Da vida enfadonha que se perde com tanto querer
Por não tolerar a angústia infinita da finitude do ser
Deixa, pois, esse punhal afiado
Esvaziar as artérias desse sangue contaminado
Da mesquinhez humana e da maldade
Que faz da minha vontade um brinquedo manipulável
Que eu seja a firmeza da ponte para a catarse
A possibilidade enfim, a passagem à liberdade
Destruindo decepções que assolam minh’alma acorrentada
Em meio aos esvoaçantes e sedutores véus de Maya
E agonizando às margens do precipício
Que minha vontade reverbere sem grito
No ritmo cósmico, nobre e infinito
Da música que ouço ao longe e ressuscita-me
(Do livro: Quando a vida renasce do caos)
*
Nada a acrescentar
Para sobreviver em meio à escuridão
Foi preciso morrer no silêncio do instante
Sempre a observar com tristeza no olhar
O desespero do choro interno e constante
Cada passo, sutil e pensado
Evitou a ironia e comentários vãos
E entre a espada e o fio da navalha
Sigo chorosa à sombra da encruzilhada
Aqui até o choro perdeu a força
E com o verbo entalado na garganta
O corpo amordaçado pela desesperança
O mal insiste em rondar minha existência
E entre criaturas despidas de caráter
A sustentar a máscara para manter a hipocrisia
Me sustento na arte de letras e poesias
Enquanto o tempo passa sem tempero de alegria
A escolha por morrer salvou o meu viver
E no barulho do silêncio não me perdi
Abri caminhos a outras possibilidades
Segui em reverência e compaixão e resisti
Hoje, desfalecida, com a alma inconformada
Cheguei à reta final dessa estrada
A hora é propícia para outros sonhos buscar
Neste espaço contaminado não há nada a acrescentar
(Do livro: Quando a vida renasce do caos)