Cinco poemas de Suzany Vicente
Suzany Vicente tem 23 anos, nascida no interior de São Paulo. Impelida a escrever pela vivência lésbica, escreve poemas sobre mulheres e para mulheres, como forma de afirmar sua própria existência como mulher lésica.
Geminiana
Seu beijo é dança
Senti você me acompanhar
na ponta dos pés e língua flutuava
De tão leve vira entrega
Percorro suas linhas como quem passeia de bicicleta em Amsterdã
Eu molhada Veneza
O laranja persiste em meio ao púrpura como o pôr do sol de um volátil eu te amo
Sinestésico sabor bolo de laranja cítrico e familiar me traz saudade efêmera
De quando seu corpo ar
alimentava meu corpo fogo
*
Oralidade líquida…
Como a minha natureza e a dos meus poemas
aceito esse amor com toda sua liquidez
na esperança de profundidade nessa solução
O que esperávamos de corpos (e copos) compostos por mais da metade d’água? (doses)?
Me embriagar, gole em gole de vida
Saudade efêmera, ressaca quebra mar
Se o amor agora é líquido eu quero um porre
Assim é até mais fácil te engolir por inteira
*
Por mais lírico que seja o amor, escrever sobre é a tentativa de entendê-lo
Clarice já dizia que as vezes entender é mais uma questão de sentir, entrar em contato… ou toca, ou não toca.
E desde que você me tocou, não com as mãos (com elas também),
mas com essa sentença de três palavras…
Nunca tive medo delas, até elas saírem da sua boca.
porque com você não há a necessidade da análise;
é sentir, subjetividade livre, estar aqui e agora.
Até que você me tocou…
Sentença que me atingiu, tirou de órbita
senti o clichê da flecha, o seu “eu te amo” me transpassou.
Processo criativo
Escrevo porque gozo com as palavras
que escorrem dessa língua míngua
Lábios que dedilhei dediquei tempo
Mulheres que passaram pelo meu corpo caminho
Traçando minhas linhas escritas pulsões
Todo amor entre mulheres começa com um desafio
Amar quem te pariu
Depois aprender a amar aquela que se solidifica construída reflexo reflexiva
E em tempos de amor próprio descobre ser o seu segundo amor da sua vida
O primeiro é quem te pariu, visceral dela você saiu e esse é o desafio
O terceiro vem de muitos corpos desencontros
curvas que se tornam labirintos
Nesse afã fica fragmentos resquícios desse terceiro precipício
A dinâmica do amor entre mulheres nunca poderia ser monogâmica
a gente nasce desse trisal e esse é o desafio
amar a fio o que desconstruiu
Amar mulheres foi o meu despertar
dos contos de fadas
*
Términos ternos
Vênus em câncer abraça é casa, amor conto
Não estava disposta a uma crônica, mesmo tendo o suficiente pra um romance
Eu pego apego escrevo poema ego
Não vou nos transformar em escárnio, talvez num líquido poema pós-moderno como nós
Estou na geladeira abra e pegue quando quiser
Ao menos feche a porta
porta aberta escancarada gasta muita energia
Minha lua calcula tudo todos os gastos desgastantes desgastada virginiana
A conta não bate é alta demais
E por mais bela que seja a arquitetura desse amor mal frequentado
Por mais bem servida e satisfeita que seja a sensação do seu sabor
Leonina que transbordar sabe o seu valor
e a conta não bate amor
… dos amores só levo os gatos gastos e poemas rasgos