Copa do Mundo – “O Outro Par” (Egito) – Por Aline Wendpap
O Outro Par. Direção: Sarah Rozik. País de Origem: Egito, 2014.
Che Guevara já dizia que não devemos perder a ternura jamais. E isso é coisa que não falta neste curta egípcio, que, além de sagrar-se vencedor no Festival Luxor de 2014, “viralizou” na rede, principalmente pelo WhatsApp, ilustrando lições de melhoramento pessoal e autoajuda.
Também pudera, o roteiro foi inspirado numa passagem real da vida de Mahatma Gandhi. Mais especificamente, na ocasião em que ele perdeu um sapato ao entrar num comboio na Índia, e, contrariando as expectativas de todos, tirou calmamente o outro sapato lançando-o em seguida, para cair perto do primeiro, enquanto o comboio se afastava da estação. Ao ser interrogado pelos companheiros de viagem, sobre o porquê daquela atitude, ele disse: “Se um homem pobre encontrar apenas um sapato de nada lhe servirá. Agora ele terá um par, que eu tive a honra de doar”.
Apesar de ter sido inspirado nesta passagem, o filme dirigido pela jovem cineasta Sarah Rozik (com 20 anos quando da conquista do prêmio), com roteiro de Mohammed Maher, desenrola-se desde a perspectiva do garoto pobre, e, não do que estaria na posição de Gandhi. O que colabora para a construção do ápice do filme, momento em que nos emocionamos com o drama do menino pobre e levamos o “tapa na cara” por ver que ele segue pelo caminho da ética, já que na passagem, ele corre atrás do trem e até joga o sapato, com intuito de devolvê-lo ao outro menino.
Os ângulos utilizados, principalmente os iniciais são incomuns e nos apresentam o protagonista pelos pés, eles também nos mostram a disparidade entre o menino e os demais transeuntes da estação. À medida que a câmera vai se aproximando, somos convidados a adentrar sua “luta” com o chinelo velho, que não pode mais ser consertado. Em seguida, percebemos o olhar desejoso do protagonista, quando ele avista um par de sapatos lindos e muito bem lustrados nos pés de um outro menino, que, aliás, não parece estar muito confortável com eles, uma vez que, tenta ajeitá-los todo o tempo em seus pés. A trilha sonora é outro elemento que contribui para o tom dramático da narrativa e permite que possamos nos emocionar ao submergir mais profundamente na história.
Simbolicamente, o filme mostra o encontro dos opostos ao meio-dia, ou seja, quando os ponteiros do relógio da estação se cruzam, os caminhos destes meninos também se unem. O sapato, elemento principal do filme, é mostrado como um objeto de adoração e quando segurado pelo menino pobre vemos em cena o grande conflito, pegar ou não pegar “eis a questão”, quando sua cabeça está baixa olhando para o sapato as sombras tomam conta de seu rosto, mas quando ele toma a decisão de devolvê-lo, as luzes se projetam sobre sua face e ele sai do estado de adoração, negando com a cabeça aquele breve sussurrar das trevas, que deve ter passado pelos seus pensamentos. Então, corre ofegante para a plenitude, alcançando em seguida a graça do outro par.
*Aline Wendpap é doutora em Estudos de cultura contemporânea, crítica de cinema, mãe do Emanuel e apaixonada pelas artes.