Cinco poemas de Coral Michelin
Coral Michelin é uma pessoa múltipla, designer, pesquisadora, artista visual, poeta desde os 11 anos de idade. Nasceu em Porto Alegre, cresceu no Rio de Janeiro e experimentou viver em algumas cidades pelo mundo. Formada em Gestão Ambiental (UESA), Mestre em Design Estratégico (Unisinos) e doutoranda em Design (UAM), cria seu caminho sonhando em contribuir para um mundo melhor, enquanto o colore com letras e tintas. Este ano, 2019, participa das antologias NemUmaAMenos e Elas e as Letras da Editora Versejar, e prepara seu primeiro livro.
***
À la Hilst
Ama-me
Assim, completa de incompletudes
Repleta de tudo e de nada
Ama-me
Como Hidra de sete corações
Como Gata de sete vidas
Como Terra de quatro estações
Multiplicidade
Complexidade
Ama-me
Assim, tecido dos fenômenos
Das escolhas e dos tropeços
Ciclos de causa e (in)consequência
Prudência
Negligência
Assim, brisa que se deixa levar
Pelos caprichos dos deuses
Desse panteão ambivalente
Assim, água que se molda
Maré em fúria ou rio que sacia
Mata e faz viver
Ama-me e seja universo comigo
*
[seis anos]
Seis anos
E volta e meia a vontade
de fazer uma ligação
contar as novidades
matar as saudades
Ouvir tua voz
do outro lado da linha
me chamando
do apelido de menininha
daquele jeito que só você tinha
Seis anos
E ainda te encontro
nos sonhos tão reais
Ali somos pai filha família
e nada mais
Seis anos
E ainda choro um pouco
querendo teu carinho
meio bruto e bronco
Sei que te orgulharia
da Índia, Nepal e do sabático
e d’outras coisas que te contaria
Vai fazer seis anos, pai
Vou te ligar!
Bem que tu podia atender…
A primeira coisa que vou dizer
é que tua falta ainda
não parou de doer.
*
[te espio]
Te espio, você que habita em mim
Neste profundo escuro poço que finjo de coração
A imanência do teu ser criança me faz graça
Hauro tua aura pueril e me divirto
Eu que te massacro, eu que sou carrasco
Rio e rio, eu que te espio
E me delicio, ignóbil e ignorante
De tudo que poderia ser em tua liberdade
*
Distopia braziu -2030
Se arrependa
profundamente amargamente
Isso aí que aconteceu
é engendro seu
Foi você que escolheu
Se arrependa –
não vai ter reprimenda
mas quero que você entenda
veja bem toda essa coisa horrenda
esse veneno que você liberou
Teve marcha, teve grito, faixa, adesivo,
#elenão, teve show, reportagem, petição…
Teve até o Papa, meu!
Mas não, você foi lá e escolheu
Beleza, direito seu
Amazônia virou pasto, índio virou lenda, alimento
tá escasso, a cada verão morre um milhão e o sangue
da guerra, não tem se esquivar, taí também na sua mão
Agora não adianta chorar
Só vai lhe deixar com sede
e pra beber água –
tá ligado –
tem que pagar
Não tem mais inclusão, diversidade, luta por igualdade,
diversão, liberdade, discussão, educação, universidade, ciência ou irmandade.
Tem só alucinação
E não adianta reclamar, bater panela,
louvar pra quem quer que seja ou suplicar
Você não entendeu?
Todos seus direitos
mano, você perdeu
Mas por favor se arrependa
e por favor aprenda
O mundo não é só seu–
a próxima escolha que tomar
se lembre que navegamos todos sem exceção
no mesmo mar.
*
SINFONIA no7 EM LÁ MAIOR
Sinta a água que brota na base de sua espinha
Sinta ela subindo, enchendo seu corpo
Preenchendo seu peito até lhe faltar o ar dos pulmões
Sinta-se invadido de tudo que é incontido, de poesia e de calor
A água vertendo sem parar, livre e luz
Até que se abram as comportas de seus olhos de mar
Deixe-se chover em cachoeira, em éter e ar
Seja levado pela correnteza do tempo passado
Deixe-se nu de presente e das pedras carregadas
Livre-se das cordas, esqueça os portos
Renasça, afogado em som