Dois Poemas de Gustavo Cardoso
Gustavo Cardoso é do interior do Pará. Atualmente reside no Rio de Janeiro, onde estuda Direito na UFRJ. Já publicou em outras plataformas online, como no canal Ruído Manifesto (2018) e mallarmargens — revista de poesia e arte contemporânea (2019). Suas crônicas foram selecionadas para compor a coletânea “Da Janela do meu Quarto” (2016). O primeiro livro solo, no entanto, ainda está no prelo. Por ora, também se dedica aos estudos de “Direito & Literatura”, buscando novas formas de humanização do jurista por meio da Literatura.
***
Pathos no Deserto
Ver, ao quebrar a paisagem,
indícios de seus passos
em uma rua do Egito. Você
abalou quando as pedras
foram entregues do espaço.
Preciosas:
montavam sobre sua
cabeça
uma coroa e
reinavam sobre nós
com todos
os ornamentos
de jades do oriente. Feitas
para romper a luz — em
seus cabelos estava
o sopro
de um reino da infância.
À sua frente, os desertos se
ergueram —
sem falhas.
Do cetro
podia se orquestrar todas as
serpentes
rainhas de outrora.
Num delírio de junho:
vi peixes adentrando
as areias
e sugando a vida
do recôndito
cercado por
um bioma morto.
Súditos subiam e desciam
sobre uma escada
ligada ao céu:
curvando-se, em respeito à
vida que
tocava sua epiderme.
*
Compêndio de Virgem ou [Compêndio de Gato]
a.
No seu mundo mandarim
tingido com borgonha na noite opaca
mentido feito porcelana aburguesada
desgastado como os pombos
da manhã na esquina de sua vitória
Três décadas para silenciar
e uma história feita de palha
igual boneco vodu: na África Ocidental
ou nos picos de Teresópolis —
arborescendo o amor? Na sacada do prédio ou
b.
No semiárido de seu punho
rutilante, fazendo-me queixar durante
a madrugada, sangrando feito
virgem no poço do banheiro com
sua mão orientada a me tocar
Cheiro de canela no corredor
da casa, parede-creme
e uma devoção de ciência
balística: anjo! pronto para me assassinar
e degolar minha cabeça de mandrágora
c.
Calando a noite: silêncio!
Quem teme o improviso? É seca a sua
língua, Narciso — de símbolos
cuneiformes que derradeiramente
marcam meu tronco
Ceder como? Ronronando
gato com gato até te arrastar ao
prato de leite da sala — para que
você lamba até a última gota
do meu sacrilégio
d.
E sinta, no arfar do seu sonho
pueril, a lágrima que escorre do rosto
peregrino — potente que nem
cavalo de turfe cobiçando
e.
Chegar à reta final