Dois poemas de Lucas Barroso
Lucas Barroso, natural de Porto Alegre, é autor de Virose (romance, 2013), Um Silêncio Avassalador (contos, 2016) e Um Gato que se Chamava Rex (infantil, 2018). Os poemas fazem parte de O tempo já não importa (2020).
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A mulher tinha ido embora há três semanas
Não vi conhaque de alcatrão no bar. Mesmo assim, questionei o atendente. Ele foi direto comigo.
– Teu compromisso é com a escrita.
Na rua, dois policiais me abordaram e me mandaram encostar na parede. Um deles me revistou, depois pediu meus documentos e disse.
– Teu compromisso é com a escrita.
Na outra quadra, um ladrão calçou seu trinta e oito em minhas costelas. Pegou minha carteira, meu relógio – herança de meu avô – e complementou.
– Teu compromisso é com a escrita.
Da sacada de seu apartamento, uma senhora viu o assalto e berrou – os vizinhos abriram suas janelas e ligaram as luzes por curiosidade.
– Teu compromisso é com a escrita.
Sem dinheiro, pedi ao motorista do ônibus se poderia me dar uma carona. Ele fez sinal de positivo, falou da violência da cidade e acrescentou.
– Teu compromisso é com a escrita.
Em casa, não tinha bebida alguma. Também não havia ração para os gatos, que miavam sem cessar. A mulher tinha ido embora há três semanas. E a vizinha deixou um bilhete embaixo da porta.
*
Estamos em guerra, você não viu?
Tem sempre um outro dia
Mesmo assim, nosso ódio persistia
Mesmo no rigoroso inverno
Ou nas fortes irradiações solares do verão
Ele persistia
Nas ruas do Centro Histórico
Só não espumávamos nas calçadas
Só não vociferávamos lugares-comuns
Ou palavras de ordem
Tínhamos a hombridade de esconder
Nosso ódio que persistia
Amávamos apenas os cães
Leais e aptos
A atacar em nosso nome