Dois poemas de Sandrinha Barbosa
Sandrinha Barbosa é descendente do povo indígena Xokó, nascida em 1963 na Amazônia brasileira. Aos 4 anos de idade foi iniciada na Pajelança pelo seu avô. Estudou a medicina ocidental em Manaus e medicina natural em São Paulo (USP/Mogi das Cruzes). Vive em Kaiserslautern, na Alemanha, onde junto com o marido forma o Duo Igapó, projeto de música brasileira. Escreve prosa e poesia. No momento, ocupa-se da escrita de seu livro de memórias da vida na Alemanha, intitulado Cartas ao Reno.
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Sentimentos
me sinto
um pouco
floresta densa
serras e savanas
me sinto
castanheira mamoeiro
seringueira mangueira
me sinto
um pouco
graviola cupuaçu
açaí pimenta-malagueta
maniçoba tacacá e
farinha-de-mandioca
me sinto
filha do
amazonas madeira negro
purus branco juruá
me sinto
parte do
bôto jaguatirica anta
caititu macaco-prego
surucucu pico-de-jaca
me sinto
filha do
sol vitória-régia
samambaias e da
mamãe-da-água
me sinto
brisa mansa pororoca
cachoeiras e igarapés
me sinto
patchulin pequena
morena e o lado escuro
das estrelas
me sinto
xamã macunaíma
mormaço e pedaço
de lua cheia.
Amazônia!
morada dos homens e
dos deuses
de animais e de
mistérios!
Porém
nós, amazônidas e
amazônia
morremos lentamente
pelas dores e
por alheios delírios…
*
Eu selvagem
selvagem
como as pedras
não polidas e intocadas
selvagem
como o fogo
o sol do meio-dia
e as grandes tempestades
selvagem
como os terremotos
maremotos
secas e enchentes
selvagem
como a pororoca
amazônica
que em sua passagem
arrasta o tudo e
o todo
selvagem
como a febre alta
como a ferrada de arraia
e o choque do puraquê
selvagem
como a noite sem fim
sem luz e
sem som
repleta de pesadelos
selvagem
assim eu sou assim estou
seria uma certeza ou auto-defesa?
não sei explicar
mas por alguns instantes
ao deixar a selva
encontro vocês:
amigos fiéis
que tanto falam, brincam e sorriem
em seus olhos
quanta esperança
firmeza e carinho
traduzidos a mim
selvagem
em jeito de luta
persistência e não desistência
o oxigênio
a segurança
a brisa morna
que toca em meu rosto
eu, selvagem!