Força latina – Por Lívia Corbellari
Na coluna “carne viva”, assinada por Lívia Corbellari, tem literatura, amor e outros demônios. Quinzenalmente, um papo de mesa de bar sem pretensões, aceita um copo?
Lívia Corbellari (Espírito Santo, 1989) é escritora, autora do livro de poemas “carne viva” (2019 – Cousa). Formada em jornalismo, trabalha com produção de conteúdo para internet e possui o projeto literário multimídia “Livros por Lívia”, sobre a literatura produzida nos dias de hoje. Recentemente iniciou um canal no YouTube de resenhas.
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Força latina
Ser brasileira e ser latino americana ainda soa estranho para vocês? Eu costumava sentir um conflito entre o pertencimento e não pertencimento, mas a literatura me ofereceu uma ponte para eu me sentir cada vez mais próxima desse território. E quero compartilhar com vocês alguns livros que me guiaram nessa direção.
Pretendo fugir um pouco dos clássicos como Cortázar, Borges, Isabel Allende, Gabriel García Márquez que, apesar de estarem entre meus escritores preferidos, acredito que são mais conhecidos. Proponho, assim, uma pequena lista de livros que mostram um outro lado da literatura latina.
Começando pela ‘trilogia’ do chileno Alejandro Zambra: “Bonsai” (2006), “Formas de voltar para casa” (2011) e “A vida privada das árvores” (2007). É difícil falar desses livros separadamente e ao mesmo tempo eles não representam uma continuidade linear entre eles. São livros curtos e que exploram a metalinguagem, mas não só. Com histórias simples e profundas, o que mais me encanta é a facilidade que tenho em me reconhecer e reconhecer amigos e familiares em seus personagens.
Em “Bonsai”, Zambra consegue em poucas palavras reinventar, talvez, o gênero mais batido na literatura: as histórias de amor. Te entregando o final da história, nas primeiras palavras do livro, o escritor vai reconstruindo os encontros e desencontros de um casal com saltos no tempos e descrições de situações banais e cotidianas.
“Formas de voltar para casa” nos transporta para o universo curioso e inseguro de uma criança, que cresce no meio do embate do comunismo e a ditadura do Pinochet, no Chile. E, quando adulto, retoma alguns episódios dessa fase para compreender melhor a sua história e da sua família. Já em “A vida privada das árvores”, voltamos ao universo lúdico das crianças mas pelos olhos de um padrasto que tenta se aproximar da sua enteada pela literatura, enquanto a mãe não volta.
Agora, indo para a Argentina, indico a leitura da pouquíssima comentada, pelo menos aqui no Brasil, da escritora Silvina Ocampo, que teve a sua primeira obra traduzida para o portugues apenas em 2019. Trata-se do livro de contos “A Fúria”, lançado originalmente em 1959, e que nos arrebata com 34 histórias densas e perturbadoras. Revelando uma face cruel que convive ao lado da inocência, Silvina Ocampo divaga entre o onírico e o insólito, provocando diversos sentimentos desde o mal-estar até o encantamento.
E nessa lista não poderia faltar uma brasileira e me decidi por uma poeta que vem falar justamente sobre pertencimento e o sentimento de exílio. Lubi Prates em “Um corpo negro” (2018) nos atravessa com questões sobre ser uma mulher negra no Brasil, em meio a violência e ao apagamento da sua ancestralidade, e como retomar a sua própria história e o seu próprio corpo. O livro também foi finalista do 61º Prêmio Jabuti.
Ainda dentro de temáticas políticas e que colocam as mulheres no centro desse campo de disputa, é necessária a leitura de “O país das mulheres” (2011), da nicaraguense Gioconda Belli. O livro parte do início do mandato da primeira mulher eleita presidenta na Nicarágua, que afronta a sociedade patriarcal com medidas “radicais” como creches gratuitas para todas as mães, aulas de maternidade nas escolas para meninas e meninos e a ocupação de todos os cargos públicos por mulheres.
E finalizo com o romance “Com armas sonolentas” (2018), da escritora chileno-brasileira Carola Saavedra, no qual andamos pelo Rio de Janeiro, pela Alemanha e pelo universo dos sonhos sem saber ao certo os limites entre eles. Nessa história a vida de três mulheres muito diferentes se entrelaçam e cada uma delas dá voz a sua própria história de abandono, exílio e a busca pela própria identidade.