Imagens do composto – Por Camila Caux
Camila Caux é escritora, antropóloga e editora da publicação online aperfectstorm. Em 2017, recebeu uma Bolsa de Criação Artística (Faperj/SEC-RJ, Brasil) para seu primeiro romance e está imersa na produção de seu segundo. Cursou seu doutorado em Antropologia Social no Museu Nacional e publicou Araweté: um povo da Amazônia (com Eduardo Viveiros de Castro e Guilherme Heurich, 2017). É surda, vive em Berlim e faz parte do coletivo mordo.
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Imagens do composto #1
camila caux
1 – O solo não é terra, é organismo.
2 – Esqueça o organismo, o solo é um composto de terra, fungo, lesma, água, ar, bactéria, minhoca, cupim, humano calor etc. formando comunidades de incomensuráveis: por que, então, chamamos o solo de equilibrado?
3 – Esqueça o equilíbrio, tenho água demais. Imagine você: seis planetas em escorpião, preciso de Terra. Daí meu ascendente em câncer, que é o mesmo que dizer: cuidado, ou o trabalho sujo da lama. Ando em busca da terra, minha sede é de mangue.
4 – O solo não é terra, é vida. Não faz muito descobri que se pode falar em “vitalidade do solo”, procure você mesma: seres ctônicos e espécies companheiras. Gosto da palavra bicho, especialmente quando me refiro a mim mesma.
5 – O que é próprio do solo não é terreno, é edáfico. “Fauna edáfica: comunidade de invertebrados…” Sempre me surpreendem os humanos que se distinguem dos animais. Uma vez assinei um contrato que impedia animais no apartamento, nunca me mudei. Mas me pergunto: fizemos o mesmo com a Terra? Quem foi que assinou o contrato?
6 – Pois solo não é vida, é Gaia. Veja de longe: somos pequenos, e algo nos previne a queda para cima.
Imagens do composto #2
camila caux
Os cortes me surpreendem. Tome comer,
por exemplo: fruta tem gosto, rocha não.
Mas se você se deixa, um ano depois, dar
voltas sobre o terreno plano do incêndio
que comeu a praça, você não vê sombras de árvore,
bancos quebrados, ou a pedra azul, pixada de azul,
que agora é cinza. Você achava que não, dizia:
pedra não queima, mas ali você encara o fosco
cinza, a língua comendo ponto a ponto, o gosto
da pedra resiste, o do entorno não. Tudo tem
um espaço de ar e camada de poeira,
restos de bicho, pedra e planta que vão
se arrastando por aí como se a gente
nunca tocasse a não ser a faixa
em torno de alguém, ou agarrasse
nada a não ser a pasta de sebo e pele
morta que, quando cai no chão, vira
a poeira que você varre, e joga no lixo.
Imagens do composto #3
camila caux
sou forte e sou surda
e vou ser engolida pela
cobra grande
um dia.
aí eu vou chupar o sol
para baixo e ver o céu
surgir de novo,
o couro do horizonte
é meu.
se empilho estratos
eu divido metades
não iguais:
o dia é uma fase da noite,
a ausência temporária
de aquém.