Laís Maíra Ferreira entrevista Luís Fulano de Tal
Laís Maíra Ferreira é Doutoranda e mestra em Estudos de Linguagem pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
Luiz Carlos Santana – pseudônimo Luís Fulano de Tal – nasceu em 1959. É graduado em Letras Modernas pela USP, licenciado em Língua Portuguesa e mestre em História Social pela mesma universidade. Tem uma sólida carreira como Professor de Literatura Brasileira e Portuguesa, Redação e Criação de Texto e Língua Francesa, atuando desde o Ensino Fundamental ao Superior. Além disso, tem também uma vivência como Professor de cursinhos pré-vestibulares. Em quinze anos de carreira no magistério, desenvolveu suas atividades profissionais em instituições como Faculdades Metropolitanas Unidas, Cursinho da Poli , Secretaria Municipal de Educação e Secretaria Estadual de Educação. Em 1995 o autor vence o concurso “Projeto Nascente”, na categoria ficção, com a novela A Noite dos Cristais escrito sob o pseudônimo de Luís Fulano de Tal, rendeu-lhe algumas premiações importantes, tais como prêmios outorgados pela Fundação Nacional do Livro Infanto Juvenil – FNLIJ seção Brasileira da International Board on Books for Young People; prêmio Orígenes Lessa – autor revelação – 2000; prêmio Livro Altamente Recomendado Para o Público Infanto- Juvenil – 2000; menção Altamente Recomendável – 2000; prêmio Programa Nacional do Livro didático – PNDLD – MEC: 5000 exemplares de sua obra foram adquiridos e distribuídos pelas bibliotecas das escolas públicas de São Paulo em 2000. Para compor a ficção, Luís Carlos Santana valeu-se de um levantamento histórico cuidadoso. A obra tem como “pano de fundo” a Revolta dos Malês, ocorrida em 1835 (Fonte da biografia: http://www.letras.ufmg.br/literafro/autores/646-luis-fulano-de-tal). Em 2017, o autor lançou O túmulo do soldado desconhecido (Amazon).
***
Laís Maíra Ferreira (LMF): Você continua escrevendo e lecionando em escolas e universidades?
Luís Fulano de Tal (LFT): Sim, continuo trabalhando como professor em escolas públicas de 1° e 2° graus e no ensino superior, no momento como professor contratado da Universidade do Amapá.
LMF: Por que o uso do pseudônimo Luís Fulano de Tal?
LFT: Meu nome é Luís Carlos de Santana. Fulano de Tal é um pseudônimo que era usado por pobres em geral e escravos que não tinham direito a um nome completo como eu e você temos hoje. Meu sobrenome é Santana. Mas poderia ser Camargo, Paulino, Souza ou qualquer um desses aí. Não muda. Como homem negro, a situação não muda de acordo com o nome da família. Para mim é indiferente ser Santana ou Moreira. Continuo como cidadão de terceira categoria, e sem os direitos fundamentais da pessoa. Sou o que se chama no Brasil de “cidadão comum”. Ora, se temos um cidadão comum, então temos um cidadão especial, não comum. Um super cidadão. Ou no mínimo um cidadão tão cidadão, que é mais cidadão do que aquele cidadão chamado cidadão comum. São duas sociedades, dois pensamentos, e duas filosofias diferentes. Daí o choque, as diferenças, os direitos, os dois mundos, os dois hospitais, as duas escolas, os dois bairros… o ódio, o racismo, a violência…Somos cidadãos só nas eleições, ou pra torcer pro Brasil na copa… afora isso, não participamos de nada. O Brasil é atrasado em tudo porque joga mais da metade da sua inteligência na lata do lixo. Luís Carlos é um nome de um cara. Luís Fulano de Tal é o nome de um autor negro da nova geração de escritores, que vão mudar a cara da literatura brasileira do século XXI, espero.
LMF: O que o motivou a escrever A noite dos cristais?
LFT: Sempre fui um leitor desde criança …. e desde criança eu pus na cabeça que um dia eu ia escrever um livro… um dia eu vou escrever um livro… um dia eu vou escrever um livro… pensava … pensava … cresci, chegou o dia e eu escrevi um livro. A motivação veio de quando eu era estudante do curso de Letras. A USP em parceria com a editora Abril Cultural patrocinavam o Projeto Nascente de artes. Tipo um Oscar tupiniquim universitário. Com trabalhos em uma das sete artes, participavam todos os alunos de todos os níveis até o pós doutorado. Em 1995, ganhei o prêmio máximo em literatura com o meu primeiro romance A Noite dos Cristais.
LMF: Por que a escolha do título A noite dos cristais?
LFT: Todos sabem que a Noite dos Cristais ficou sendo a expressão que marca a noite que deu início oficial à perseguição aos judeus na Alemanha nazista da Segunda Guerra. Foi um acontecimento de lesa-humanidade, e é, felizmente, amplamente discutido e divulgado através de filmes, livros, reportagens, documentários, depoimentos, museus, centros culturais, etc… etc… etc…. E o mundo tem que conhecer e discutir todo aquele horror para que nunca mais aconteça. O holocausto com os povos negros vem acontecendo já bem antes do holocausto da guerra, e aconteceu o holocausto com os povos negros durante a Segunda Guerra, e acontece hoje e agora, desde depois da Segunda Guerra. E o mundo fica em silêncio…. Daí o título…. A Noite dos Cristais.
LMF: O narrador e o protagonista levam o sobrenome Santana. Santana é também o seu sobrenome. Há alguma relação entre narrador, personagem e autor?
LFT: Uma estreita relação. Pra mim, vejo o narrador é como se ele fosse um personagem (ele é uma forma de falar, o eu dele, o ego é essa maneira particularíssima de falar e de ser.) É tão particular que o narrador não é o autor. Mas sim uma forma suis- gênere de falar. Uma forma tão particular, que chega a ser uma vida particular, uma personagem. A relação é que todos os personagens, e os diversos narradores possíveis, nascem das experiências de vida do autor.
LMF: O narrador e o autor são professores. Haveria alguma explicação para essa semelhança?
LFT: Acho que a explicação possível é que profissionalmente, a maior parte da minha vida foi como professor.
LMF: Por que escrever sobre a diáspora?
LFT: A história do Brasil é contada a partir de um único ponto de vista. A história da diáspora torna a história do Brasil mais rica, e mais plural. Ter um contra ponto, um segundo ponto de vista, enriquece a discussão.
LMF: Na nota de apresentação de A noite dos cristais, você fala sobre a dificuldade de publicação. A obra foi escrita em 1994 e somente em 1999 teve uma edição profissional. Você acredita que autores negros ainda encontram essa dificuldade?
LFT: Para a população negra no Brasil tudo é difícil, quando não impossível, ou só alcançável por gentileza, jeitinho, favor político, milagre, macumba, ou intervenção divina. No Brasil, em qualquer área de atividade humana, ser bom é para os brancos, um negro tem que ser tocado de Deus. Assim é no mundo dos livros. A nossa escola pública é uma bomba, e não estimula ninguém a ler nada. O nosso mercado editorial é isso aí…. pôr um livro de literatura na praça…. é um heroísmo…E muitas outras coisas… mas não importa… quem escreve… escreve….não importa se há leitores ou não…..isso é secundário….Se fosse assim… pelo número de ouvintes não haveria estudantes de harpas, canto lírico, oboé, música de câmara… ou seja…. escreve-se….
LMF: Como é ser escritor negro no século XXI?
LFT: Ser escritor no Brasil sempre foi difícil a qualquer momento. E hoje não é diferente do passado. Por sermos um país com uma escolaridade pública proibida para os escravos negros e índios, e num segundo momento sucateada para os pobres e operários, sempre vimos a educação como algo perigoso e exclusivo das classes abastadas dos senhores de engenhos. As famílias donas das terras, fazendas e dos corpos dos escravos, mandavam seus filhos estudarem direito ou medicina nas capitais. Quando eles voltavam, assumiam o lugar de seus pais. Viravam doutor. E aquele conhecimento adquirido era usado para oprimir e humilhar, e ficar mais rico. Eles viravam coronéis no nordeste e estancieiros nas plagas do sul. Hoje eles são os deputados. A elite endinheirada também pouco lê, ela pensa que não precisa. Livros … ora … os livros… Como autor negro as dificuldades são gigantescas … as academias brasileiras de literatura…com raríssimas exceções sofrem de mesmice literária…. só conseguem falar do passado… São importantes os clássicos, são eles que norteiam os caminhos das letras…são referências…patrimônio escrito da nossa nacionalidade…. Mas nós não podemos ficar eternamente discutindo (só) século XX, XIX … e todos os ismos…eles também foram vanguarda um dia … Estamos no século XXI … num mundo em pandemia…e somo obrigados a construir um novo normal … o novo normal somos nós … sobreviventes e proponentes dos novos caminhos … tendo os nomes do passado como inspiradores…
LMF: Os negros são constantemente representados em obras escritas por brancos. Como você vê essa representação?
LFT: Importante e válida. Ela enriquece a proposta. O que acontece é a construção estereotipada e preconceituosa. Ela é pobre e marcada num tempo. Não se torna perene. É estéril.
LMF: Quais são as suas referências literárias? De alguma forma, elas ajudaram na construção da obra?
LFT: Penso que tudo que li até hoje na minha vida, me serviu como referência literária. Um livro é o resultado de tudo o que já foi lido. Não devemos ter nenhum autor como referência. Se alguém quer escrever, não deve parecer com ninguém. Cada autor deve ter sua própria marca, a sua maneira de fazer o seu trabalho de escrita. Fora disso é perigoso, e pode ser classificado como imitação. Quando vamos escrever devemos esquecer todo mundo que já lemos. E devemos ouvir profundamente a voz do narrador que se faz presente, e que quer dizer e ser escutado….
itamar nunes
Professor luís! que grato ver que seu livro ainda causa espanto na literatura e na mente das pessoas, recordo com muito carinho o livro que ainda tenho com sua dedicatoria que recebi nos tempos de cursinho da poli, alí pelos anos 2000. E recordo da leitura e do encantamento pela historia, espero que quando voltar ao brasil comprar seu outro livro. grandes leituras!
MICHEL YAKINI
Agradeço por ESSA ENTREVISTA