Matemática ilógica – Por Carla Cunha
Na coluna mensal “Teia Labirinto”, Carla Cunha escreve sobre Literatura Erótica e Pornográfica. O nome da coluna nos remete à trama e aos caminhos enrodilhados que todos nós enfrentamos ao pensar na própria sexualidade. Nessa trajetória, pontos se conectam e produzem uma teia de informações sobre quem somos. Porém, às vezes, não encontramos o caminho e a sensação é como se estivéssemos num Labirinto.
Carla Cunha é paulista, escritora de Literatura Erótica e Pornográfica, mantém um blog com textos sobre o tema e em 2019 lançou Vermelho Infinito.
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Matemática ilógica
Nunca soube lidar com dois relacionamentos ao mesmo tempo. Dizer que estou ocupada para um, enquanto vou ao cinema com o outro é um jogo administrativo que não tenho habilidade, sempre há um tremular da voz, uma inconstância na respiração, um conteúdo atrapalhado. Em pouco tempo, torna-se visível a dificuldade de dividir-me em iguais partes e bem por isso as reclamações surgem. Os homens não entendem a necessidade de uma mulher. Eles querem fidelidade, relacionamento monogâmico, o fato é que a sexualidade de um homem é totalmente diferente da natureza sexual de uma mulher. Veja bem, o homem ejacula uma vez e já se sente satisfeito, enquanto nós, mulheres, precisamos de quantos orgasmos para nos satisfazer?
Por isso, é mais do que natural a mulher ter vários parceiros. Entende? O problema foi a sociedade que deturpou nossos instintos e nos colocou por anos encerradas numa casa, ocupadas com as lidas domésticas, no que eles chamaram de estável família. O resultado trouxe milhares de mulheres infelizes, sem entender de onde vinha toda a tristeza, pois mesmo em lares confortáveis, com filhos saudáveis e marido amável, a vida era uma merda. Óbvio, meu amor, você não goza o que seu organismo necessitaria gozar e justo por isso o déficit no prazer feminino desregulariza tanto os hormônios quanto descontrola o emocional de uma mulher. O fato é que pesquisas idôneas comprovam que as mulheres precisam de vários parceiros, e isto não sou eu que estou dizendo, isto é ciência, é biologia, simples assim, entende?
Enfim, juro que se eu me livrasse do trauma social e tivesse sido incentivada, como os homens foram em relação as mulheres, a lidar com mais de um homem desde adolescente, eu jamais ficaria apenas com o Pedro e o João. Teria três homens e assim sentiria a felicidade. Porém, o João não entende, ontem mesmo quis verificar meu celular, digo, o WhatsApp. Ver se eu era fiel. Queria investigar nas trocas de mensagens, se eu falava com outro homem. Achei isso escroto, já que ele sempre soube das minhas teorias sobre a mulher e sua sexualidade. Não é óbvio que a privacidade é sagrada? Agora quer me controlar, justo por isso não conto nada sobre o Pedro. Seria tão mais fácil se eles fossem amigos e pudéssemos compartilhar os três uma experiência genuína e amigável. João vem de uma cultura muito fechada, Meodeus! Enfim, disse qualquer coisa sem me preocupar e entrei com meu celular para o banheiro. Posso falar a verdade? O ciúmes dele me excita, por isso mesmo abri a câmera numa chamada de vídeo para Pedro, enquanto tomava banho e me masturbava. O celular ali sobre a pia, equilibrado entre o sabonete e o tubo de pasta de dentes apontava para meus peitos. João batia na porta, pedia para entrar, decerto queria tomar banho comigo. Sim sim, os gritos dele me excitavam. Ele chamava meu nome irritado. Pois é! A voz tensa de João passava pela porta e entrava pelos meus poros como uma labareda a subir pelo fio da coluna, então mostrava-me mais ainda para o Pedro no vídeo. Ah sim, para não desestimula-lo com a fúria do João, mantive no modo mudo, o que depois, pensando melhor, não sei se foi a melhor ideia, já que a raiva de João poderia excitar não só a mim, mas também Pedro. Enfim, gozei com a água me lavando o corpo, ancorada com os ombros e parte superior das costas na parede, o quadril jogado mais para frente embaixo do chuveiro, as duas pernas firmes, abertas, os joelhos levemente dobrados e a boceta de frente para a câmera do celular. Imagina aí, a cena bonita. Pois é, meu amor, tenho equilíbrio, não foi à toa que pratiquei ginástica olímpica desde pequena. Às vezes, imagino que poderia ficar milionária caso escrevesse todos os malabarismos praticados nos mil tipos de orgasmos que já tive. Best-seller. Entende? Enfim, saí do banheiro e encontrei João no quarto, dobrava as roupas na mochila e organizava os pertences. Poxa!, não é para tanto, ir embora por causa de uma besteira dessas. Nossa!, por favor, muita imaturidade, não é?
E o aniversário do May? Não vamos mais? Não! Não? Nossa, você não vai levar isso à sério? Vou! Você não me valoriza, para mim, vou dizer uma vez, chega. Tá bom, você vai se arrepender, vai vendo! Deu as costas sem nem ao menos dar adeus, eu também não pedi para ficar, parece que quanto mais a gente insiste com os homens, mais fazem pirraça. Depois que João foi embora, liguei para Pedro, mas ele não atendeu o telefone. Então fui secar meu cabelo, escolher uma roupa e convidar Pedro para jantar em algum restaurantinho do bairro. Não pensei mais em João. Com certeza, sinto muito por todas as crises de ciúmes e as interpretações equivocadas dele, mas não posso fazer nada, nunca prometi nada. Sempre deixei claro qual era minha postura sobre a nossa relação, ele se envolveu por que quis. Agora, que sofra as consequências!
Pedro não retornou, liguei mais uma vez, mas nada. Fui ao cinema sozinha, um filme recomendado por amigos, do diretor brasileiro Wuldson Marcelo. O filme era bom, mas sem ninguém na cadeira ao lado, sinceramente, não é a mesma coisa. Voltei para casa sem entender essa matemática ilógica dos homens. Pedro não havia sumido, nem João dera sinal de vida. Por fim, fiz um jantarzinho, abri uma garrafa de vinho branco, pus um jazz na vitrola. Recordei de um ex-namorado de três ou quatro anos atrás, será que ele acharia esquisito eu mandar uma mensagem perguntando como ele está? Afinal, é coisa de instinto. Entende?
(Ilustração de Capa: Sabrina Gevaerd).
Lana
Sensacional .