Mémorias da pele – Por Lívia Corbellari
Na coluna “carne viva”, assinada por Lívia Corbellari, tem literatura, amor e outros demônios. Quinzenalmente, um papo de mesa de bar sem pretensões, aceita um copo?
Lívia Corbellari (Espírito Santo, 1989) é escritora, autora do livro de poemas “carne viva” (2019 – Cousa). Formada em jornalismo, trabalha com produção de conteúdo para internet e possui o projeto literário multimídia “Livros por Lívia”, sobre a literatura produzida nos dias de hoje. Recentemente iniciou um canal no YouTube de resenhas
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Memórias da pele
Andar por todas essas ruas não me preparou para o cansaço de me perder e me reencontrar. Estou voltando aos poucos, mas ainda é tudo muito frágil, como se a camada que tivesse se formado por cima da carne viva ainda não fosse tão grossa, ainda doí quando encostam. Ainda não há ar suficiente para encher os pulmões e gritar, nem água para molhar a garganta seca. Não tem um dia que eu não pense no tempo que passou e que ainda vai passar para eu chegar em mim, para eu ser outra.
Cada pedaço que me habita carrega memórias que nunca permanecem iguais, são coisas que se perdem e coisas que se ganham. Só agora que estou aprendendo que tudo muda, tudo passa. Até as paredes são infectadas e talvez o concreto seja a grande doença. A cidade inteira vai cair e vai brotar outra no lugar.
Mas minha pele já tem dado sinais de melhora e de fome. Desde as últimas vezes que morri, essa foi a menos dolorida. Talvez em breve eu já possa sentir o sal do mar sem arder.