Os sopros da intuição – Por Michel Yakini
A Coluna Michel Yakini apresenta crônicas, contos e poemas deste autor paulistano, atuante no movimento literário das periferias de SP.
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Os sopros da intuição
Inverno de 2014.
Era um dia comum na metrópole paulistana. A maioria corria apressado como sempre. Carros e pessoas. Eu me sentia fora do tempo. Dirigia devagar, tomava buzinada e gritos dos motoristas afoitos, mas não conseguia reagir. Todas as músicas do rádio me faziam chorar.
Estava num bom emprego. Trabalhava como funcionário público, com salário acima das expectativas. Pra um escritor iniciante, que vivia de vender livros e fazer palestras sem salário fixo, esse era o melhor dos mundos.
Neste tempo eu já havia publicado dois livros. Um de contos, impresso em pequena tiragem. Um de poesia, chamado Acorde um verso, e encaminhava minha terceira publicação sobre literatura e futebol. A carreira estava se fortalecendo.
A questão é: Eu vivia um luto. Estava contemplando a morte do meu segundo casamento. Quem viveu uma separação sabe que essa dor demora pra desaguar. Tentava conhecer outras pessoas ou ficar sozinho e nada amenizava. Eu não aceitava e resistia em conviver com a mudança, por mais que era visível que a separação era melhor pra todo mundo. Superar ou entender a morte é algo que não se aprende na escola, se é que isso se aprende.
Meu rim esquerdo doía constantemente e depois de me entupir de remédios, sem bons resultados, um amigo me convidou pra ir na sua casa sagrada, um terreiro de Umbanda onde ele trabalhava e isso fez eu me recuperar bem. Quando terminei o tratamento indicado a base de ervas resolvi voltar lá sozinho. Entendi que essa dor era reflexo do emocional. Depois das consultas eu saia com uma sensação leve, mas voltava na semana seguinte com o ânimo abalado.
Uma Preta Velha me contou sobre minha missão de alma, me explicou que enquanto eu não abrisse espaço pra essa chegada eu continuaria oscilando. Essa história ainda durou muitos encontros, até eu aceitar a missão espiritual pra auxiliar na cura de outras pessoas. Era um caminho inevitável, pois meus pais se conheceram num terreiro de Umbanda e minha chegada neste planeta era harmonizada por esta energia.
Aquela senhora encantada contou que meus escritos não eram apenas fruto das minhas ideias, mas eram sopros de proteção. Saí de lá balançado. Como assim? Eu estava me esforçando pra me tornar um escritor de ficção e abominava qualquer relação com a psicografia de espíritos ou coisas afins. Temia que meu trabalho pudesse ser colocado na prateleira da literatura espírita. Entendia esse fazer como subtexto.
Aos poucos as minhas mágoas foram evaporando, minhas conversas com as entidades foram ficando leves e sorridentes e dei menos importância a como meu texto seria lido. Fui encontrando resposta sobre o que significa a escrita criada em ressonância com os sopros.
Nenhum espírito veio conversar comigo ou pedir pra que eu escrevesse algo, pelo menos até o momento. Porém, parei de estigmatizar esse tipo de texto, abri a minha mente pra ler algumas obras psicografadas e pude encontrar livros de todo tipo: ótimos, bons, ruins, assim como acontece em toda literatura.
Acima de tudo, fui compreendendo que esse sopro é uma metáfora da voz interior, a conexão criativa pra além dos limites físicos e da mente, uma possibilidade de conhecimento profunda e expansiva. Esse sopro é a voz intuitiva presente em todo ser. O desafio era ser íntimo da minha intuição, essa velha amiga cochichando intenções, ofertando sementes pra novos textos e projetos de vida.
A intuição sempre esteve perto, mas com medo de espíritos e abduções, eu bloqueava os canais da percepção. Permiti que meu corpo adoecesse ao frear este fluxo natural e me desarmonizei com vida. Assim como um rio obstruído, que ao longo do tempo acumula folhas, pedras e galhos e tem seu caminho interceptado.
Quando deixei este rio fluir encontrei as margens floridas. Sinto que a escuta da intuição é o superalimento da minha literatura. Ainda estou dando os primeiros passos sobre como desenvolver essa escuta, mas quero compartilhar com as outras pessoas. A escrita literária, a arte e a criatividade são vivências de expansão, que me fazem entender minha natureza criativa e compreender que toda morte pode anteceder uma possibilidade de vida, ambas são parceiras neste mistério. No meu caso, foi preciso acolher as mudanças e os ciclos da existência.
Primavera de 2020.
É assim que tenho me permitido ser.