Quatro poemas de Aclyse Mattos
Aclyse Mattos nasceu em Cuiabá em 1958. Poeta, escritor e professor do curso de Comunicação Social Publicidade e Propaganda da UFMT. Doutor em Comunicação pela UFMG; Mestre em Comunicação pela ECA-USP. Livros publicados: infantis (Natal Tropical – 1990/ Sabiapoca – 2018), poesia (Assalto a Mão Amada – 1985, Quem muito olha a lua fica louco – 2000, Papel picado – 1987, Festa – 2012), contos (O sexofonista – 1986). Membro da Academia Mato-grossense de Letras.
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flor
cai
tão curto
o espetáculo do ipê
alguns dias
chuva roxa
sob o sol dos aromas
de novo
só no ano que vem
[de Quem muito olha a lua fica louco, Oficina mínima, outono do ano 2000 – p. 55]
*
Édipo Preguiçoso
Nada é tão mãe
( depois da mãe )
do que a sombra da mangueira.
[de Quem muito olha a lua fica louco, Oficina mínima, outono do ano 2000 – p. 76]
*
Utiariti
palavra cheia de t
palavra cheia de i
palavra que prende o ar
palavra além do tupi
no claro ruído das águas
nas corredeiras, cascatas
dos indiozinhos que pulam
do pontilhão ou das grades
do rio dos Papagaios
os tês dos tis como ramos
(metáforas letras da mata)
de onde se pula no rio
do u da letra ou cascata
os is dos tis como gente
(a gente índia, outra letra)
os is com pingos lugares:
cabeças penas cocares
a ti ar ti arte ti
de natural da cultura
ter águas doces doçura
Reserva de Utiariti
este poema é em ti
[de Festa, Carlini & Caniato, 2012 – p. 35]
*
Nossa Senhora de Irigaray
Mais índia do que branca
renascida da sucata
meio busto de maneca
falta o braço e mais a anca
trapos, gaze, saco, helanca,
muita graxa em que lambreca
traços, guaxe, óleos, preta,
negra azul vermelha e manca
sob a luz – olhar libélula –
da calota fez-se a auréola
fada maga bi traveca
viva e morta é lixo e santa
[de Festa, Carlini & Caniato, 2012 – p. 39]