Quatro poemas de Casé Lontra Marques
Casé Lontra Marques nasceu em 1985, em Volta Redonda (RJ). Mora em Vitória (ES). Publicou O som das coisas se descolando (2017), entre outros.
***
[A insegurança entrincheirada nos músculos]
A insegurança entrincheirada nos músculos
dissimula
a fome na fuga; o percurso
(composto
apenas de partidas) programa
perigosas
procuras: afoga fluxo
em refugo — incapaz, contudo,
de corromper a truculência
dos dedos
que, coerentemente
trêmulos, reavivam
a delicadeza
cavando
no
vazio mais
uma
brisa
*
[Porque no momento em que me recolhe]
Porque no momento em que me recolhe
sou somente
um ruído que aprende a respirar
sob seus órgãos;
uma forma — violenta — de incandescência:
como
a condensar as idades
das áreas mais claras
da casa
onde
recebemos a extensão da nossa
insuficiência? Espalho as frutas
pelo assoalho
das horas futuras — o que não significa
que suas alas (voltadas para a água)
sejam
únicas: os cães que retornam, calmamente,
formam uma memória
úmida. Por
entre mapas, — reagindo, — ultrapassa
a impaciência: a lenta
permanência
da impaciência cuja ossatura
excede a fala:
em torno
da
xícara vazia — enquanto
a face
— súbita — vibra:
os objetos que prolongam o corpo,
as letras
que povoam
a página, os segundos
que precedem
o sono
revivem, indefinindo-nos,
o risco
de um riso nítido.
*
[Talvez estranhasse a sensação de distância]
Talvez estranhasse a sensação de distância,
apesar da sufocante
proximidade. Aquela casa alerta lembra
um poema ainda
necessário. Este afeto (cerimoniosamente
incômodo) subsiste no nervo
da neurose. Lutando
contra poucos — mas preocupados —
princípios de torcicolo. Não
adiantará trocar de rua para mudar
de direção; o afogado
também mantém o mar sobre o ombro
submerso. Estilhaço
sem lembrança de vidraça. De novo
a apatia confundida com
cansaço. Talvez recusasse
a dissolução
da distância, em privilégio
da inexistente proximidade. Nada
como a acidez
da certeza para
incitar uma ofensa quase suave.
*
[Protejo a cabeça da manhã estrangeira]
Protejo a cabeça da manhã estrangeira
enquanto
outra respiração escoltada
pelo
esquecimento frequenta
o
fulgor
premente — numa mudez improvável —
não prosseguir
agora
seria somente
irrigar
uma morte
irrisória:
(com
estes braços que sobraram
entre
brigadas
de
basalto):
ainda
transportamos o rumor que nos arranca
da
letargia
— narro — por um corpo oblíquo:
com
qualquer corpo — narro — quase todo vivo:
entre
letras — e ramagens; e fronteiras; e claridades —
talvez difusas
ou
já excessivas:
hoje súbitas (apenas súbitas)
ou
sobretudo
assíduas
— narro — contra a palavra que me dissipa:
não
sem insegurança — narro — toda quase esquiva:
deixo
a noite se estender — como uma ave —
uma
ave de intrincada sinuosidade:
(deixo
a noite nos estender):
aprimorando
a
cada pausa o pavor
de
nada mais
paralisar?
o tempo enxágua
as
gengivas
nesse
espesso lapso
vocal:
quem
decidirá o nosso emudecimento?
se a língua vier vazia;
a
língua que me desconhece — que nos restabelece —
quem
confirmará a nossa asfixia?
enquanto
a língua se quiser esguia — quem prorrogará —
quem
propagará (sem pânico) o nosso despreparo?
enquanto
a
língua se fizer esguia: quem nomeará:
quem
nomeará
— de saída —
a
nossa
anemia?
quando a língua (mesmo exausta)
não
mais estiver exígua;
a
língua: das minhas pulsações: dos meus desamparos:
sim — a língua —
a
língua: desperta:
onde
o rosto é costurado
(também)
ao
acaso
— povoar um sopro —
dentro (e pelas bordas)
do
tempo;
dentro — e sob as dobras —
de
qualquer
tempo:
desbastando
as
fuselagens do silêncio
na
retina;
enfim espalharemos
por
toda a perplexidade
essa desconfiança perene
sobre
alguma desatenção
prematura?
desbastando
as
fuselagens do silêncio
na
retina:
logo disseminaremos
por
toda a voracidade
uma herança insuficiente
diante
desta hesitação
ininterrupta?