Quatro poemas de Clarissa Macedo
Clarissa Macedo (Salvador – BA), doutora em Literatura e Cultura, é escritora, revisora, professora e pesquisadora. Apresenta-se em eventos pelo Brasil e exterior. Integra coletâneas, revistas, blogs e sites. Publicou a plaquete O trem vermelho que partiu das cinzas (Pedra Palavra, 2014) e o livro Na pata do cavalo há sete abismos (Prêmio Nacional da Academia de Letras da Bahia, 2014; em 2ª edição pela Penalux, 2017; e traduzido ao espanhol por Verónica Aranda, editorial Polibea, 2017). Integrou, em 2018, o Circuito de Escritores pelo Arte da Palavra, promovido pelo SESC. Lançará este ano o livro O nome do mapa e outros mitos de um tempo chamado aflição (poesia). Contato: clarissamonforte@gmail.com/clarissammacedo.blogspot.com
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Outlet
Os sonhos em promoção:
o mundo à venda
mas nada se realiza.
Só este vazio com desconto
preenche de gordura a mercadoria.
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[As gaivotas desta tarde…]
As gaivotas desta tarde
cravaram dentes
repetindo o sinal da cruz
de tanta tristeza,
não andam mais juntas
em busca do sol:
guardam a dureza
de quem surfa a morte como os abutres.
*
Noturno n. 4
À noite,
No descanso das injustiças e das fraquezas,
Eles decretam no palácio a tua próxima fome.
Quando amanhece, o sol não nos fala
Nele, uma cortina de 100 dólares ponta de estoque
Em nós, o medo e o mito do silêncio.
Bronze o dia as aflições pelo trabalho e pelo sono
E quando enfim madruga e a jornada de tantas horas parece que chega ao fim
Eles dizem que haverá mais
Que haverá mais porque é preciso cansaço para os nossos olhos
É preciso sangue
Para que não se possa meditar
Para que sigamos
Máquina aos moinhos
A moer tudo aquilo que somos, tudo aquilo que não podemos ser.
*
Faísca
Ontem havia esperança
toda a esperança do mundo.
Hoje sou um estilhaço
um catálogo de dúvidas
e desejo.
Os pássaros não voam mais
e o dia que nasce
é o luto ordinário, grave,
posto sobre a mesa.
A boca diz o que o coração fala
e a dor é antiga:
chega, se instala
abre ocos na aorta, devagar,
para o aprendizado –
do enigma
da sutura
da ferida
da beleza.
Os fracassos… saúdam uns aos outros;
o que fica é o peso
a humilhação calcada nos olhos.
Digam que perdi:
que faltei às classes de empreendedorismo
e visitei às de angústia e miséria;
que não vou ao shopping
que rasguei os papéis e os comi.
Digam que perdi tudo:
a fé, o sonho, o dinheiro que não sobra
mas amo como se fosse eu o país
essa cavidade aberta
exposta, sangrando até a morte.
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In: O nome do mapa e outros mitos de um tempo chamado aflição
(A foto da autora na página inicial é de autoria de Ana Reis)