Quatro poemas de Demetrios Galvão
Demetrios Galvão nasceu e vive na cidade de Teresina/PI. É poeta, professor e historiador, com mestrado em História do Brasil. Autor dos livros de poemas Fractais Semióticos (2005), Insólito (2011), Bifurcações (2014), O Avesso da Lâmpada (2017) e do objeto poético Capsular (2015). Em 2005 lançou o CD de poemas Um Pandemônio Léxico no Arquipélago Parabólico. Participou do coletivo poético Academia Onírica e foi um dos editores do blog Poesia Tarja Preta (2010-2012) e da AO-Revista (2011-2012). Edita a revista Acrobata, o blog Janelas em Rotação e colabora no site LiteraturaBr.
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o avesso da lâmpada
uma banda de jazz
ecoa nas tubulações siderais
de coxas macias.
meu desejo aeroplano
faz piquenique na artéria central
de um verbo imigrante.
os ancestrais lançam dados
e apostam hóstias de sangue
no tabuleiro das estrelas dançarinas.
uma luminária-nebulosa
amplia o terraço dos signos,
seus ascendentes e amantes celestes.
7 sóis e 7 luas
compõem uma antologia de luz
onde lateja a bússola do caos.
*
paisagem gasosa
o verão se acende
em fogo indomável.
as noites evocam sóis apócrifos.
demônios alcalinos se inquietam
e dormir se torna impossível.
– incompleto reino
onde as palavras
não abençoam ruínas –
na penumbra se agasalham
antigas febres hereditárias,
bisnetas de capitanias do terror.
chafariz de assombrações
orações para santos sem nome próprio
os excessos da linha do equador.
– contemplo em silêncio a rinha polivalente.
*
tudo chega de um mundo antiquíssimo
ao som de frank zappa
eu vi uma legião de jesuítas
silenciar florestas espontâneas
com sua pedagogia assassina.
eu vi caravanas de novos e velhos mestiços
aprisionarem peixes, lagartos e aves mensageiras
para legislar um código de honra obscuro.
eu vi um velho mar engolir desaforos
e guardá-los em envelopes de calcário
no fundo de sua paciência líquida.
eu vi homem e máquina
fundirem-se numa utopia selvagem
na cavalgada de sirenes.
eu vi a miséria da casa grande
radiografada em etiquetas de luxo
nos bazares e camelôs da cidade baixa.
eu vi um avião cair
e do alto da montanha
nascer um mito cinematográfico.
eu vi uma mãe e um santo
disciplinar um jovem dilúvio
quando em festa, alagou corações desabrigados.
eu vi begônias dizerem “eu te amo”
para um quilombo submerso
em erotismo tropical.
*
a voz do abismo
como pensar no futuro
sem pronunciar a palavra medo?
a harmonia da morte não desafina
as águas não trazem alívios.
conheço uma mulher
que não sai mais de dentro de si.
desaprendeu a pronunciar “felicidade”.
– a família teve que sepultar alguns nomes.
o desencanto assalta a multidão
o terror estremece as fibras do afeto
e esperamos a queda em um campo minado.
– existe um abismo que não se cala.
as mães se pintam para a guerra
com o leite que alimenta a humanidade.
levantam o punho e perfumam as ruas
com sua coragem iluminada.
– a esperança transpõe as fronteiras armadas
resiste em assentamentos de plástico
e se salva em um abraço sem idioma.