Quatro poemas de Eduardo Veras
Eduardo Veras é doutor em Literatura Comparada pela UFMG. Atualmente, é professor de Literatura na UFTM. É autor de O oratório poético de Alphonsus de Guimaraens [Ensaio] (Relicário, 2016) e de Deserto Azul [Poesia] (Penalux, 2018).
Os quatro poemas abaixo são do livro Deserto Azul.
***
Engenharia espacial
Todos caímos. Poetas e meninos. É o rigor da máquina que nos mantém no alto. Nas horas de turbulência palavras vêm ao chão. Algumas escorregam para o fundo e se perdem. Mas é na turbulência que me aproximo dos pássaros. Minhas penas são fuselagem. Sem o ferro para além do ângulo reto não suportaríamos a evidência do céu. E mesmo os pássaros caem. Mais cedo ou mais tarde. A vitória definitiva da terra. Na turbulência me é dado viver no limiar do céu. À flor da fuselagem. Sem me perder no abismo indiferente do azul. Na turbulência perco a fala e da minha boca nascem palavras. Poesia. Uma questão de aerodinâmica. Engenharia espacial.
*
Via-Láctea
De longe me vejo escrevendo. Os olhos postos no céu como quem antevê um tropeço. Como em fotografias da Via-Láctea. Eu caio. De muito longe posso me ver. Escrever. Estas palavras no lugar de outras palavras no lugar de outras palavras. Tudo é abismo. Olhos postos no céu como quem antevê um tropeço. Eu caio. E me vejo caindo. De muito longe vejo meus olhos escreverem. Como um astro em queda se inscrevendo no céu. Multiplico as várias maneiras de cair. Até o infinito. Se tudo é abismo. Caímos eternamente. Voamos eternamente.
*
Desastre
Quero celebrar tropeços, percalços, panes aéreas, paradas cardíacas. O despedaçamento das asas. Quero celebrar falhas mecânicas, falta de ar, frio na barriga. O voo raso da pedra chutada. O entrelaçamento de pernas, braços e tronco no balé espiralado do corpo que cai. Graciosamente. Poeticamente. Para o encontro com o chão parecermaterrissagem. Como se ainda houvesse asas e trem de pouso.
*
Estrela cadente
Pois é caindo que se faz poema. Nada subsiste na evidência do céu. Palavras desafiando a gravidade. Mas inscrevendo-se nela. Olhos que se veem no espelho dos próprios olhos. E por isso conhecem todos os pontos cegos. A fronteira da luz. Os olhos que se veem se multiplicam. E são capazes de ver o lado escuro da lua. Mais que um terceiro olho. Espelhos nos quatro pontos cardeais. Por isso são capazes de viajar com a gravidade. Os olhos do poeta. Simular um voo com as palavras. E cair suavemente com elas.