Quatro poemas de Iamni Reche Bezerra
Iamni nasceu em Curitiba em 1991. É mestre em Estudos Literários pela UFPR e doutoranda no Programa de Teoria e História da Literatura na UNICAMP, com pesquisa sobre o feminino e a tradução em Jacques Derrida. Edita, junto com o poeta Alexandre França, a Mathilda Revista Literária.
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I
me envio pela língua
que nós dois falamos,
até que eu entenda
como fazer ver
a sua letra, no canto da boca
a disposição que o se importar exige
me levanta da cama,
me faz perguntar do seu dia,
te lembrar das vacinas
(sempre desatualizadas)
me vejo abrindo a porta
como quem abre um parêntesis
na própria ordem frágil
– e deixo entrar tudo que é roupa e coisa sua
se esse poema fosse uma imagem:
nós dois, finalmente,
desfazendo as malas
*
II
sozinha e no entanto do avesso
não há sonho
se por sobre a mesa
o prato e o prato
servem
minha conversa interna
comer sem fome
amar sem objeto a que se ame
eu e eu
por sobre a mesa: prato
o meu nome
é um nome
que não se separa em sílabas
seria essa
a origem de toda dependência?
*
III
o amor feito em distâncias
é trocar a roupa de cama
assim que a porta se fecha
aquele que me acena de longe,
pressinto que me quer
na mesma demanda de toques
por isso
a gente acorda
a gente trabalha
a gente aprende a ponderar
o preço das passagens
– em meio a isso tudo: a vida
mas como é triste às vezes voltar pra casa
*
IV
cada palavra que me foge
no momento exato da sua inscrição,
quase me lembro de todas elas
quando, sentada à mesa
vigiada por inteiro
tuas mãos me interrompem
a primeira vez que concordei
estava criando a minha submissão
em outro e igual registro:
uma mulher calada
é sempre um suicídio coletivo
nada aqui poderá ser dito
de uma vez por todas
por isso mesmo, continuar a dizê-las
insistentemente