Quatro poemas de Josiane Cavalcanti
Josiane Cavalcanti é artista visual, poeta e educadora. Publica na cena independente poemas (2019), zine em que reúne um pequeno conjunto poemas e uma litografia; linha de fuga (2019), em parceria com Jerônimo Bittencourt; a coletânea orquídeas como cultivar – poemas pela democracia (2018) e pedra pura, poemas, sua primeira publicação individual (2017). Desde 2019, integra o Grupo de investigações Poéticas Contrafaccionista e participa do ateliê de gravura do Museu Lasar Segall. Em 2017, foi aluna selecionada do CLIPE Poesia – Casa das Rosas. Atualmente coordena a Área de Ação Educativa do Museu Lasar Segall, atua como professora de artes visuais no ensino básico e ministra oficinas de poesia. Possui bacharelado e licenciatura em Artes Visuais (FASM, 2009) e especialização em Crítica e Curadoria (PUC-SP, 2017).
Os três primeiros poemas foram publicados em outubro de 2019 num zine artesanal, que foi feito em tiragem única de 20 exemplares e acompanhado de uma ilustração em litografia criada e impressa pela própria autora. Mais informações e imagens desta publicação podem ser encontradas em @josianecavalcanti, no Instagram. O último poema é inédito e foi escrito esse ano.
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I.
se uma bestial qualidade
inerte atrás da nuca
de repente atravessar
os dentes
num levante
a romper a carne luminosa
e fresca
pudera eu
não resistir
o animal que respira comigo
deseja apenas
que as facas esfriem
viver seu tempo
e ensinar seus filhos
*
II.
a paisagem era uma fotografia
deitada sobre a mesa quente
do sol
avistada de cima
com um desfiladeiro
e um rio
que em verdade são dois:
o rio que vemos
de barro branco, as margens
e o rio abaixo
arroyo
temporário
e muito mais subterrâneo
a paisagem foi projetada
a partir de uma palavra
dentro do sonho
que palavra seria não me lembro
mas era clara o mínimo
para lançar à vista
o rio escondido
com o qual me deito
*
III.
me encontro com a grande cabeça de bisão
penso que está morto
e permaneço a mirar os olhos
com certa gravidade
penso que está morto
mas na verdade esconde suas armas
mira-o
ele se move
silenciosamente
numa noite imemorial
está morto e não está
há pelagem ainda, há carne
sobre os ossos
cores ocres
não totalmente
nossos corpos
pesam mais que o tempo
*
IV.
sonho com um nome dourado
triangular e ascendente
um nome tão bonito de se ver
porque é uma chama
um nome que não se diz por
uma simples inflexão mecânica
da voz
porque paralisa a língua
e cresce dentro da boca sem
no entanto
se pronunciar
pouco a pouco ele avança
alcança as extremidades
do meu corpo e me transforma
numa imagem
o que acontece
como milagre