Quatro poemas de Julia Anadam
Julia Anadam, escritora e artista plástica. É formada em jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero e mora em São Paulo, SP.
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Sinto sua falta
Ela me disse:
no Japão os aviões dos camicase tinham o adesivo de uma flor de cerejeira
no jardim eu vejo as pétalas caírem como uma pluma
tão leve, dançando balé antes
de forrarem o chão
de um rosa que dá vontade de chorar
certamente não lembra nem um pouco
um desastre aéreo
proposital
mas pode ser que eu fique um pouco triste
porque as pétalas os pilotos as pessoas as árvores
tiveram essa ideia
de que precisam cair,
de que nada serão sem essa queda.
Quando eu tinha 14 anos
uma criança me perguntou
se flores e árvores sempre morrem
e eu tive medo que ela desse um passo além
eu colecionava adesivos
e não queria responder
Mas sabia que, mais ou menos
todas as perguntas nascem de uma só:
por quê?
E quando aviões
flores
situações constrangedoras
e pessoas
caem
podemos perguntar:
por quê?
mas sob as árvores de cerejeira
além das flores caídas
estão os monges
eles não perguntam
eles meditam
olham tranquilos o vento carregar a vida
levar embora adesivos que perderam a cola
sabem que somos uma gama de escolhas
todas baseadas
na tentativa frustrada
de responder:
por quê?
*
Existe um castelo de pedra em ruínas
E nele, embaixo da pia da cozinha
Existe uma fenda
Quem olha, vê
Uma vela que se mantém
Acesa
*
Fantasma
Como quando estamos de férias somos crianças e não sabemos de onde vem um
barulho
suspeito
mas os irmãos primos vizinhos amigos todos estão em casa
então ter medo é agradável
um susto!
O amor quase me pega de surpresa
mas dessa vez
foi só o vento
fazendo a porta bater
*
Subterrânea
Limpo uma porção de ervas rasteiras
cavo um buraco na terra
quanto mais fundo
mais raízes
o solo é pele, músculo, nervo e veias
com a mão, apalpo o coração
depois de sete palmos
e muito além da morte e da vida
existe um rio
e dentro dele
um espelho
no qual vejo um útero:
uma vez por mês
caso assim seja
uma parte do corpo
volta
para casa