Quatro poemas de Liv Lagerblad
Liv Lagerblad, poeta e artista plástica. Com dois livros publicados, o primeiro, que leva seu nome, da Coleção Kraft, pela Cozinha Experimental, e o segundo pela Editora Urutau, chamado “O cri§e“.
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Tento esquecer, mas sigo com vultos e cenas sonhadas.
Vaporosamente o cheiro do hibisco
Me abre narinas e poros
Café que se desabrocha no esôfago e vai
Pilhando as sinapses pra que pulsem
O dia desliza e o tabaco faz-se cinza
Entre construir e dosar um modo seco de existir
Renasço nos tragos daquilo que há de matar-me
A coleção de anúncios antitabagistas
Cresce voluptuosa e a resina em meus dentes
Adere em camadas e vem enfeitar o sorriso
Funcional, por ora.
*
Desde o corpo até o cosmo
Desdenho da realidade
Durante a noite tive suores frios
Cuida-me mulher
Arranquei a roupa, você disse
Agarrei teu torso, de manhã
Você disse com o café em mãos
Me passando meus óculos
Arranhados, te refletindo vívida
Pedi que você ficasse
Enquanto dormia
Você ri e me beija
Nos primeiros minutos do dia
Eu tento lembrar do sonho
Tenso
Da noite fria
Da boca da noite me açoitando os calcanhares
Mas teu peso sobre mim cala as ideias
Estanca o fluxo da memória
Instante sublime em que desimporta
O sonho e o frio e a merda toda
Essa manhã nas proximidades uma máquina
Ruidosa e bela em sua brutalidade
Drenou o bueiro disfuncional
O barulho aqui
Me atordoou suavemente
Te disse das chuvas e do final
Da rua vizinha inundada
As pessoas desviando da corrente no meio fio
*
Provo do ostracismo como quem sorve
Mais que a fog tomando o horizonte
Se espraia meu criativo abarcando
Predicados novos. Novos propulsores
Rasteiro o passo que drena e salva
*
Ai mundo ovo
Pudera nascer de novo
Desejei e fiz
Saí da cloaca e rompi a casca
Estive dentro e fora de um passo
Ai pudera ser feita de aço meço e calo
Pudera um percalço ralo
Ao invés do lodo, entalo nisso
Um guincho, um enguiço
Meu passado me observa do platô
Vesgo e viril e por isso mesmo
Acaba por cair num ridículo sublime