Quatro poemas de Lucas Rolim
Lucas Rolim é poeta, tradutor e editor independente. Publicou Os Cantos de Eleanor (2017), Terrário (2017) e O Caderno Surrealista de Ibán (2018) em edições artesanais através do selo editorial Kizumba Edições, além do livro O Mirábolo (2017), pela Editora Moinhos. É membro do coletivo Acrobata. Nasceu em Teresina, onde habita e é habitado.
Os quatro poemas abaixo estão no recém-lançado O Caderno Surrealista de Ibán.
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A imagem é uma criação pura do espírito.
Pierre Reverdy
Imaginação querida, o que sobretudo amo em ti é não perdoares
André Breton
Germinam fluidos mágicos por dentro da matéria contaminada do corpo
Al Berto
I
É no baixo curso dos ventos
a primeira morte, quando os
afogados crescem suas asas
mas não despertam, tendo saído
a gravar limões com a inscrição
de um nome. E lemos: IBÁN —
enquanto os membros caem
com a força das águas, enquanto
os celeiros se enchem de música.
Perguntaremos se somos de fato
este intervalo corrompido
e descobriremos o avesso do corpo,
onde é possível existir através
de outras mãos que não estas, sangrando
sobre os líquidos do armazém.
Afinal, que diriam os espíritos
criadores? Mete-se a carne na
raiz dos nomes? São eles
próprios esta trilha magnética?
Que paisagens ardem no espelho
quando agito seus conteúdos?
Que mortes anunciam logo
nas primeiras sílabas?
IV
Quantas cidades dormem
sobre este peito convertido em pássaro?
Basta a primeira metade
de um instante cego, relampeando,
e já as senhoras se põem a barganhar maçãs
com os meninos afogados do pântano
de Nossa Senhora da Conceição.
Quantas cidades, digo, quantas cidades
dentro das cidades
dentro deste sonho aproximado,
por onde caminha-se, tomado pelas serpentinas,
tendo-se comido uma parte do céu
desprendida do céu?
Uma vez mais as luminárias descem ao inferno.
Com um punhado de lábios,
costura-se todo o corpo, subverte-se-o
com sua própria verdade.
Escutas o chão?
Estes mortos que não calam
cultivaram em seu tempo
grandes hortas taciturnas.
Mas como falam, agora! Como esbracejam!
Suas cabeças inclinadas sobre os peixes;
suas substâncias erguidas, transformando-se;
a extensão e o branco de seus espaços
diz que é preciso anunciá-los
como uma luz fragmentada ou um nome
enterrado, líquido, como o caminho
aos mares suspensos.
Estão cingidos pelo único membro das águas,
para além do arco de qualquer seta,
para além do raio de qualquer olhar.
Flutuam. Inaniquiláveis.
VII
Criança adormecida em meus cálculos,
fixarei teu nome numa concha isolada.
Ensinarei a ti o manual do fogo, das chuvas.
Ajuntarei os animais para que os toque.
Guardarei tua voz numa adaga de cristal.
Desmembrarei teus sons e converterei
o fruto em símbolo e palavra — em linfa.
Plantarei uma flor audaz sob teus lençóis.
Cultivarei tuas mãos num jardim suspenso.
Direi às criaturas ELA DORME, porque dormes.
Cobrirei de luz as manhãs, para que nasças.
Criança minha, feita de semente e sonho,
porei o saber das árvores em teu coração.
IX
E os grãos de areia do deserto
Giram desnorteados.
Rumi
Vêm os peregrinos
descendo o deserto,
como há mil anos
os peregrinos desciam o deserto.
E o deserto é esta mão
aberta, coberta de grãos.
E não é a mão de deus,
talhada nos oceanos.
À noite, as tendas cintilam
contra os metais no ar.
Nos relógios, é a claridade
tudo quanto se move.
Que dizem estas formas,
pronunciadas na areia?
Os meninos têm o cheiro
das laranjas porque saem
a noite para roubar laranjas.
E não as encontrando,
tornam-se enxame e furor.
Tornam-se punhais.
Por isso deitam fogo
à tenda e sequestram a
noite. Porque têm fome.
As águas repousam
no fundo da duna.
Do tapete saltam os
dromedários.
Mercadores sonham.
Escorpiões dançam.
O dia é consumido
num vagão de ópio,
a caminho das estrelas.
Lucas rolim
alegria! muito Feliz pelo espaço no site, sigamos juntos e firmes. abraços!
lucas.