Seis poemas de Ayrton Andress
Ayrton Andress nasceu em abril de 1996. Formado em Letras PT-DE pela Universidade de São Paulo e atualmente mestrando em romanística(ES/FR/PT) pela Universidade de Münster na Alemanha, onde também trabalha no projeto “[Tu ventana] a Iberoamérica”.
***
oração
na língua dos poemas
vem a minha prece:
traga o candelabro
e desenhe ao pé
dos meus ouvidos (com palavras)
o mapa quente
do desejo
*
restaurante
fechamos o restaurante apenas para nós
puxamos as cadeiras que apodreceriam
com a chuva, arrumamos as mesas para
olhar-nos
olhos nos olhos
fumamos eternamente cigarros
ao som da rádio e das nossas línguas
misturadas
para trás e para frente deixamos nossos traços
seu olhar buscando água
eu tateando a mesa por meu copo
enquanto os meus olhos inspecionavam
o seu corpo
aí também deixei um traço de mim
e levei um traço seu, agarrou-me os braços
forma amorfa sem nome
trouxe-a através da chuva em bicicleta
em ritmo de cavalo assustado
que mesmo trotando
esquece ser cavalo
*
Foto
quero uma foto sua
em copacabana
quero uma foto sua
em que no fundo
reine o MASP
desfocado
uma foto caminhando pelo centro
uma foto na feira de terça
que nos lembraria
do tempo em que
comemos pastel pela primeira vez
juntos
e que tive que explicar que pizza
é um sabor
uma foto à beira do mar
uma foto num coma o quanto puder
e as fotos agora sujas
de gordura
aprisionariam o passado
do meu futuro
*
órgão
busco nos livros
poemas de esquecimento
sou alérgico ao desejo
que sopra como vento
em meu ventre
por isso busco poemas
sobre tuas pernas, tuas mãos e teu sexo
desenho caravelas, faço panquecas
que não mais me distraem
de ti
deito e abro um livro buscando
poemas
que poderiam deveriam sair
da sua boca dos teus braços amarrados
ao meu peito
abro livros buscando
algo tão quente como o teu membro
a quem obedeço em vividez, ouço o sim
o não e principalmente
o talvez
*
II
desenhei nas tuas costas
a constelação de áries
enquanto nossos olhos
não se soltavam
na mesa de jantar
no sofá manchado
fumando cigarros
medindo taças
de vinho
por cima de por debaixo
das cobertas
a distância nula
entre meu peito e o seu peito
e as mãos em aventura
exploram silenciosamente
a penumbra
expurga de mim
com piedade
– lacerante –
o desejo
*
Dia – Noite nach Ana Martins Marques
se é dia
desfazer a névoa em nuvem
se é noite
transformar a fuga em fogo
se é dia
banir das mãos o medo
se é noite
tecer no torso o toque
se é dia
encontrar na luz o lume
se é noite
fazer do leme um leito
se é dia
converter o traço em truque
se é noite
transcrever a mira em miragem
se é dia
atar as mãos ao livro quente
se é noite
deixar queimar o ventre
se é dia
dedilhar a tecla
se é noite
explorar a seta
se é dia
respirar lufadas de ar
se é noite
exaurir os pulmões em teu peito
quem perverte em noite o dia
é o desejo