Seis poemas de Gustavo Tisocco traduzidos do espanhol por Demétrio Panarotto
Gustavo Tisocco nació en Mocoretá – Corrientes – Argentina. Tiene publicado los poemarios Sutil, Entre soles y sombras, Paisaje de adentro, Pintapoemas, Cicatriz, Rostro ajeno, Desde todos los costados, Terrestre, Quedarme en ti, Reina y Hectáreas (libro publicado en Madrid, España), Perla del Sur, Entre ventanas y Nueve poemas; así como los Cd Huellas, Intersecciones, Corazón de níspero y Terrestre. Participó de diversas antologías tanto en Argentina como en diferentes partes del mundo. Asiste a encuentros nacionales y asistió a festivales internacionales en México, Perú y Nueva York como invitado. Creador y director del sitio MISPOETASCONTEMPORÁNEOS desde el año 2006.
Demétrio Panarotto nasceu em Chapecó-SC, em 1969. É doutor em Literatura (UFSC) e professor de roteiro no curso de Cinema da UNISUL. Músico, roteirista, poeta, escritor e idealizador do programa Quinta Maldita (na webrádio Desterro Cultural) e do PIPA Festival de Literatura (na companhia de Juliana Ben) e consultor do projeto Procura-se um Leitor. Desde o ano 2000 ministra cursos nas áreas de Literatura, Música e Cinema. Dos eventos que participou no cenário nacional e da América do Sul vale destacar: P.E.R.I.F.É.R.I.C.O 2014 (residência musical) e Poética 2015 (residência de poesia), realizados no Espaço Cultural Escola Sesc – Rio de Janeiro-RJ; três etapas (compreendendo os estados da BA, PE e ES) do projeto Arte da Palavra, 2018, Circuito de Autores, SESC Nacional; Projeto Escola Escritora, 2019, curso de escrita para crianças, Sesc – Santa Catarina; e Vapoesia Argentina, Buenos Aires e Mendoza, 2021. Publicou, dentre outros, Mas é isso, um acontecimento [Editora da Casa, 2008, poemas]; Ares-Condicionados [Nave Editora, 2015, contos]; A de Antônia [Miríade, 2016, infantil]; 18 Versos para o funeral de Demétrio Panarotto [Papel do Mato Oficina Tipográfica, 2018, poemas], Tratamento da Imagem [Patifaria, 2018, conto]; Arquipélago [Patifaria, 2018, infantil], Lotação [Medusa, 2018, poemas]; Vozes e Versos [Martelo Casa Editorial, 2019, poemas], Cerzindo e Cozendo [Butecanis Editora Cabocla, 2020, poemas], Privado [Butecanis Editora Cabocla, 2021, contos], 6 Poemas [Butecanis Editora Cabocla, 2021, poemas, edição bilíngue, Espanhol/Português], mais alguns discos (Banda Repolho e projeto Irmãos Panarotto) e alguns filmes. Reside em Florianópolis-SC, Brasil.
***
Seis poemas de Gustavo Tisocco
apresentação e tradução de Demétrio Panarotto
Antes de qualquer coisa, gostaria de dizer para vocês que eu não sou um tradutor (nem com o fetiche traidor clichê na boca de muitos), talvez, com Haroldo de Campos, um transcriador, mera autoestima, enfim, todas e nenhuma das opções. Sou, e acho que podemos partir daqui, um amante das palavras, ou melhor, do percurso das palavras, da história e das histórias, do seu ponto de partida, do momento em que passou a significar outra coisa, da sonoridade, da sinuosidade, da visualidade, das dobras, dos borrões, das várias possibilidades de interseções que, muitas vezes, perdem a força quando às vertemos para uma outra língua, ou que o jogo de linguagem não permanece com a mesma intensidade, naquele instante, inevitavelmente, que se ganha com a rima e se perde no ponto em que o poema já é outro. Por isso me encanta o desafio proporcionado pela escrita de Gustavo Tisocco, não pelo fato de ser um poeta inventivo no sentido da linguagem, mas por conta daquilo que é a simplicidade com a qual trabalha com as palavras e com os versos na construção de poemas com uma sensibilidade estética invejável.
Por falar em Gustavo, é um dos poetas mais atuantes da poesia Argentina do século XXI. Uma atuação que se dá desde a publicação de seu primeiro livro, “Sutil”, 2001, e, a partir daí, uma produção de fôlego que a elenco aqui com o título em espanhol, afinal, a sua obra ainda não foi traduzida para o português: “Entre soles y sombras”, “Paisaje de adentro”, “Pintapoemas”, “Cicatriz”, “Rostro ajeno”, “Desde todos los costados”, “Terrestre”, “Quedarme en ti”, “Reina” y “Hectáreas” (libro publicado en Madrid, España) “Perla del Sur”, “Entre ventanas” y “Nueve poemas”. Possui também experiências na gravação de CD’s: “Huellas”, “Intersecciones”, “Corazón de níspero” e “Terrestre”. Naturalmente uma coisa chama a outra, e os livros o colocaram em circulação em eventos literários na Argentina, bem como em alguns países latino-americanos, entre eles Peru e México e, subindo um pouco mais no mapa, em Nova York, nos EUA. E para referendar o percurso, o poeta é o idealizador do blog “mis poetas contemporaneos” (https://mispoetascontemporaneos2.blogspot.com/), um espaço que, desde 2006, difunde a poesia que ajuda a movimentar, a partir da Argentina, a cena poética latino-americana.
Conheci Tisocco em Buenos Aires durante a 9ª edição do Vapoesia Argentina e lemos juntos poemas em três momentos distintos, na Adef Cultura, no Café La Poesia (San Telmo) e na Escuela de Artes y Ofícios Monseñor Romero (José León Suárez). Tivemos, ainda, outros vários momentos de conversa que nos permitiu falar sobre poesia, sobre a vida, jogar conversa fora e vinho. Dentre estes momentos um que nos chamou a atenção, a minha e a dele, e que ocorreu no momento em que nos deslocávamos para uma das atividades (que se realizaria na periferia de Buenos Aires em ação capitaneada pelo padre Pepe) em que descobrimos, dentro do carro, que tínhamos o mesmo sobrenome por parte de mãe, ou seja, o sobrenome de Gustavo e o meu (reforço, por parte de mãe) é o mesmo, Poletto. Trocando em miúdos, somos descendentes de italianos que vieram da região do Vêneto, Itália, no final do século XIX, que por uma das configurações do destino foram divididos para colonizarem as terras entre o Brasil e a Argentina, em um espaço fronteiriço, demarcados por um território ainda, à época, indefinido. Um passado em comum que em solo sul-americano se embrenhou em realidades bem distintas, mas que mantém algumas afinidades. Esse foi o ponto de partida para falarmos sobre costumes que permanecem em solo brasileiro, da região sul, na minha cidade, Chapecó, Santa Catarina, do mesmo modo que em Mocoretá, Corrientes, terra de Gustavo, no nordeste argentino, dentre eles, o modo de fazer e de servir a polenta e os devidos acompanhamentos que tornavam e tornam a mesa farta e cheia de alegria.
Pois bem, além dos poemas que escutei Gustavo dizer durante os eventos já citados, trocamos livros e me encantei por “Entre ventanas”, que, depois de meu regresso ao Brasil, li e (provisoriamente) fui traduzindo para o português (uma maneira de perceber como soava em outra língua a poesia de Poletto).
Os seis poemas abaixo, por sua vez, compõem uma seleção que o próprio Gustavo fez e os leu para o podcast “La Intemperie” (https://laintemperierevista.wordpress.com/2022/02/16/podcast-22-gustavo-tisocco/) Considerei que a seleção nos dava um bom percurso de abordagem daquilo que é a poesia desse argentino que hoje vive em Buenos Aires. Dos poemas, Amo a um homem peixe e Todos fazemos amor são do Livro “Terrestre”, 2012; Não dê de comer aos pássaros e Se é sobre fugir, do livro “Quedarme en ti”, 2015; e Tive uma mãe alta e Tive coroas de flores no cabelo, do livro “Perla del Sur”, 2019.
Há como característica, nos seis poemas, uma troca muito intensa entre dois mundos naturalmente antitéticos, o alto e o baixo, a água e o ar, o céu e a terra. Porém está na construção dos versos o modo como esses dois mundos criam aproximações, acentuam as distâncias, reforçam os paralelismos, ou se tocam sutilmente em um tom apaixonante e de asfixia.
O poema que inicia com os versos Amo a um homem Peixe, que abre a série, é um bom exemplo disso. Aquilo que é a liberdade para um não passa de um aprisionamento para o outro (e vice-versa). O poema, em poucas palavras, nos interroga sobre as supostas “maravilhas” que oferecemos ao outro que, no final, têm importância apenas para nós mesmos: é um jogo de espelhos e de egoísmos nem sempre perceptíveis.
A imagem dos pássaros, como ideia de liberdade, no paradoxo com as redes e os anzóis, compõem esse jogo de palavras que vai culminar em uma apneia. A apneia como ponto de encontro, como possibilidade de relação, de troca e como desfecho do poema é uma imagem encantadora. Será que, pergunto-me, só ali o amor é possível? O mais lindo, e para fechar esse momento, é a possibilidade de lermos a apneia pelas duas vertentes que o jogo de palavras oferece, é uma para quem está fora da água e outra para quem está dentro.
Vamos ao que interessa,
Amo a um homem peixe,
um homem marinho,
aquático como as algas, como o sal.
Mora nas profundidades obscuras de todos os naufrágios,
às vezes chora
terrivelmente sozinho lá embaixo,
em outras dança em salões transparentes, torrenciais.
Eu amo a esse homem peixe
de corpo brilhante/afiado,
de um olhar constante/horizontal.
Um homem que me conta lendas eternas,
que canta para mim com sua voz de espuma
e me abraça como pode.
Eu amo a um homem peixe
e sou homem terrestre.
Estou condenado à asfixia.
Ele condenado ao meu ar, meu mundo de pássaros,
meu universo de redes, de anzóis.
Me olha desde a superfície ligeiramente submerso,
olho para ele a partir do meu oxigênio
no limite extremo do afogamento
e nos beijamos apenas por um instante,
ínfima eternidade habitando em apneia.
/
Amo a un hombre pez,
un hombre marino,
acuático como las algas, como la sal.
Habita en las profundidades oscuras de todos los naufragios,
a veces llora
terriblemente solo allá abajo,
en otras baila en salones transparentes, torrentosos.
Yo amo a ese hombre pez
de cuerpo brillante/filoso,
de un mirar constante/horizontal.
Un hombre que me cuenta eternas leyendas,
que me canta con su voz de espuma
y me abraza como puede.
Yo amo a un hombre pez
y soy hombre terrestre.
Me condena la asfixia.
Lo condena mi aire, mi mundo de pájaros,
mi universo de redes, de anzuelos.
Me mira desde la superficie apenas sumergido,
lo miro desde mi oxígeno
al límite extremo del ahogo
y nos besamos apenas un instante,
ínfima eternidad habitando en la apnea.
*
Todos fazemos amor
como trepados em árvores.
Nos agarramos nos galhos
e vibramos diante do precipício,
antes do tremor.
Trepando pela vegetação
nos apegamos finalmente à raiz
e é ali no odor da terra
que descobrimos o céu.
Porventura os ninhos não se revelam,
calendários e casulos?
Todos fazemos amor
como se montados em uma árvore
e às vezes é o vento
às vezes o doce resplendor o que aprisiona,
o que nos deixa libertos
ao nobre levitar, à loucura de ser um pouco pluma,
um pouco primavera.
Todos fazemos amor
cavalgando bosques.
/
Todos hacemos el amor
como subidos a un árbol.
Nos agarramos de las ramas
y vibramos ante el precipicio,
ante el temblor.
Trepando hasta el verdor
nos aferramos al fin a la raíz
y es ahí en el olor a tierra
que descubrimos el cielo.
¿Acaso no se revelan nidos,
calandrias y capullos?
Todos hacemos el amor
como montados a un árbol
y a veces es el viento
a veces el dulce resplandor lo que aprisiona,
lo que nos deja librados
al noble levitar, a la locura de ser un poco pluma,
un poco primavera.
Todos hacemos el amor
cabalgando bosques.
*
Não dá de comer aos pássaros.
Somente na beirada da gaiola
leia como versos.
Ao final
serão poemas
os prisioneiros.
/
No le da de comer a los pájaros.
Sólo al borde de la jaula
les lee versos.
Al final
serán poemas
los prisioneros.
*
Se é sobre fugir
Escolho as árvores altas
essas que roçam o imenso
o perigoso.
Porque não há idade lá em cima
e entre as sombras
se dissimula a pena.
É nas alturas
– bem lá em cima –
onde o vento balança
e o solo aguarda
onde a morte parece pender de um galho
num piscar de olhos.
Mas é lá onde me escondo
onde me amotino.
/
Si de escapar se trata
elijo los árboles altos
esos que rozan lo inmenso
lo peligroso.
Porque no hay edad ahí arriba
y entre las sombras
se disimula la pena.
Se está arriba
-bien arriba-
donde el viento mece
y el suelo aguarda
donde la muerte parece pender de una rama
de un chasquido.
Pero es ahí donde me escapo
donde me sublevo.
*
Tive uma mãe alta
uma mãe baixa
uma que dava à luz
nas tarefas diárias
vender empanadas
pentear as vizinhas
curar animais.
Alta como o céu da minha cidade
– que é o mais alto que conheci
intensa e branca
chuva fresca nas tardes de janeiro
pão recém saído do forno.
Uma mãe que se foi fazendo pequena
nas tarefas diárias
com as crianças indo para a escola
ao lavar a roupa
limpar a casa.
Essa mulher alta com o tempo se tornou baixinha
com os ossos doloridos cansados
com os passos silenciosos
mãos trêmulas
voz distante.
Eu tinha uma mãe alta
que agora é pequena
isso não significa frágil
isso não significa tristeza.
/
He tenido una madre alta
una madre baja
una que daba a luz
que la tarea diaria
vender empanadas
peinar a las vecinas
curar animales.
Alta como el cielo de mi pueblo
-que es el más alto que conocí-
intensa y blanca
lluvia fresca en las tardes de enero
pan recién horneado.
Una madre que se fue haciendo pequeña
que la tarea diaria
que los hijos a la escuela
que lavar la ropa
limpiar la casa.
Esa mujer alta con el tiempo es bajita
con los huesos dolidos cansados
con los pasos quietos
manos temblorosas
voz lejana.
Yo tuve una madre alta
que ahora es pequeña
que no quiere decir frágil
que no quiere decir tristeza.
*
Tive coroas de flores no cabelo
o aroma da inocência
o ramalhete branco
que nessa idade não era proibido.
Não sabia
não importava
o que viria depois.
eu escolhi ser a noiva.
/
Tuve coronitas de novia en el pelo
el aroma de la inocencia
el ramillete blanco
que a esa edad no estaba prohibido.
No sabía
no importaba
lo que vendría después.
Yo elegía ser la novia.
____________________
(Fotografia [Panarotto] de Pati Peccin [detalhe em p&b da versão original colorida])
__________
Demétrio Panarotto:
Susana Giraudo
A capa Doce de OUTRo LENGUAgem, faz o milagro de tornar Ainda mais belos os poemas de Gustavo tisocco, se isso fosse POSSIVEL. A beleza e BELEZA, mais Là de todo LENGUAgem.