Seis poemas de Ma Njanu
Ma Njanu (CE, 91) é escritora, poeta, assistente social e educadora popular. Tem poemas traduzidos para o inglês. É idealizadora do Clube de Leitoras na periferia de Fortaleza e da Pretarau – Sarau das Pretas, coletiva que integra e onde também é produtora cultural. Gosta de brincar com o ar entre os cabelos e põe as mãos na cintura, como uma quartinha, pra pensar na vida – que deverá ser livre.
***
manifesto contra a estiagem
se clorofila eu fosse e visse verde o viço
das plantas de perto:
me abraçaria às suas
folhas,
não haveria mais seca nessa casa.
nem deserto.
*
quando nunes valente não está em Luanda
os prédios
/cimento/
e as coisas
tão mais felizes
que nós
– apartados
do mar.
*
mind the gap
cuatro estações se passaram tão
lentamente até encher o saco que não
tenho,
a paciência dos anos passados como uma
sequência demorada solitária
tão poética de qualquer cena única de
Tarkovski
já não permanece um só dia na memória.
o chão afunda entre os papéis rasgados
ou os ímãs que seguram as contas de
água e
energia que me falta e |sempre| sobra
à geladeira –
quero alcançar as corujas
suindaras
zanzando no meio das castanholas
me imiscuir no seu chirrio o sonido del
búho, gritante de horror e glória!
os simbolismos do conhecimento, a
episteme que me levará embora dessa
insônia
não sou quando existo e apesar de tudo,
como uma poema, eu continuo.
*
ensaio para o poema no muro
desato nós
no outdoor outro anúncio
do problema social
[ame as armas
ou se mate]
mas não questione, nunca, o capital
[[[o sol nasceu para todos]]]
…
olho os muros
vejo seu lambe
aquele que eu adoro: vamos mudar o mundo
e ainda sonho contigo uma vida onde não haja fome.
*
desaforo ao pai
no sagrado o lugar
ele me diz quando
atravesso os sons de
lauryn hill e
para as voltas em
meu turbante,
carícia tanina,
a beleza das uvas
ou as romãs velhas
amargurar à boca,
don’t touch my hair,
filha.
sociopatia é seu desabrochar
de mim – às investidas
memórias vivíssimas
do teu sub cons ciente
quando domingava aurora:
decerto é melhor se fazer
louca
bestialmente autoanuncia-se o mal
que tem dessas coisas:
não sabe guardar-se
escondido é o tremor
a vergonha
afundar-se em desonra
o ventre yorubá
que te alimentou –
não volto
há mil pedaços
de asco
nas tuas mãos –
impossíveis de qualquer
ternura
um mau cheiro inabalável
teu violento hálito
a bostejar que ama tantas pretas
por isso se afastam
de ti os beijos
a saber de teu ódio //
*
ciranda tupinambá ou réquiem para curumim
vestiam-se nas palhas pequeninas flores dançantes, o som
ao redor tilintava nos babaçus o ar mítico de tupã –
em noites chuvosas as crianças se abriam ozumbigos
na floresta
pra saudar jaci radiante, lançada
nua
às águas.
dali, do buraco
sairiam estripulias das mais puras diabruras y
também cada golpe terrível quando chutavam nosso cocar
ó jaci, que formosura tua boca
sorver cada fissura, somente tua ternura
se chama demarcação.
nem a funai para as crianci’as y
mi a mãe
traríate de volta como as araras
escondidas, puro assombro
dos latifúndios
e nas pistolas dos
fazendeiros
quando otra vez vimos cair os menino um a um na beira
do rio
come víscera, jaci
se faz neles
encantamento
a mata é tua magia alua os mirim
beija tupã e goza goza
haverá o dia e a noite que tudo será teu, lua.