Seis poemas de Rita Lages
Rita Lages é mineira e reside nas cidades de Belo Horizonte e Mariana, Minas Gerais. Possui graduação em Letras e Pedagogia, com doutorado em Educação. Como professora universitária do curso de Letras, dedica-se ao ensino, à pesquisa e à produção de textos científicos. Como escritora, produz também literatura: textos poéticos e outros gêneros. Além das publicações científicas, publicou: pela Cora Editora, Palavras Brincantes (2018), livro de poesia para crianças; pela Venas Abiertas, o livro Rescaldo (2019), poesia e outros escritos, integrando a coleção do coletivo Mulherio das Letras; e tem publicado em antologias poéticas. Suas intenções como escritora é que seus escritos façam algum “bem” ao/à leitor(a): uma boa experiência pessoal, poética, estética etc.
Os poemas a baixo foram publicados no livro Rescaldo, pela editora Venas Abiertas. O livro Rescaldo compõe a coleção lançada pelo coletivo Mulherio das Letras, em 2019.
***
1.
Prenhe.
Gestando-te.
Gestando-te na pele,
Nos pelos,
Era na boca que eu te gestava mais.
Pelas orlas do meu corpo, eu saía derramando-te.
O corpo, satisfeito de você,
Redundava como agora em memória,
sem estômago para sentir fome.
Tolos são aqueles que se dedicam a teorizar o amor.
Gosto de amor sem teorias, porque eu sei.
A vida me prestou essa sorte.
De não ter tido verbos,
de não ter tido estômago,
de ter estado prenhe.
Apenas gestando-te.
*
2.
Amou quantos pôde.
E aqueles que não podia, amou mais.
Pulou muros, cercas. Invadiu territórios e manteve suas fronteiras altamente vulneráveis.
Pisou em falso, dobrou-se, deu com seus desejos n’água. Mas deu igualmente em terrenos firmes e férteis, onde a mesa lhe era farta. Refestelou-se.
Amou em vão, devaneou. Secou por dentro. Mais eis que vieram tempos bons e seu corpo transbordou por todas as margens.
Isso, ela pensou agora, com verbos no passado. Verbos que podem, e devem, vir em outros tempos: ama, amará, amaria.
Uma questão de variar as frases, caso queira dar-se ao exercício gramatical amoroso.
Amar, para ela, é guerra ganha, em que pese o resultado.
Perder, avalia, é morrer na hipótese.
*
3.
Até quando você não virá?
Até a porosidade dos ossos?
Os músculos distensos?
A carne solta?
O sexo murcho?
Os cios encerrados?
Os líquidos secos?
A saliva fria?
A pele sem viço?
A visão revestida em névoas?
A imprecisão do olfato?
A fala surda?
O tato trêmulo?
Os dentes já idos?
O andar trôpego?
O estômago óbvio?
Até a ânsia morta?
E o coração sem assaltos?
*
4.
Plantei ouvidos.
Verti tempestades em minha boca.
Ericei minha pele.
Preservei flamas por onde minhas pernas se juntam.
Meus sentidos em sentinela.
Eu, em alerta contínuo.
Como um soldado.
Meus sentidos, minhas armas.
Poderia ser a qualquer hora.
Poderia ser.
Poderia ter sido.
Não ouvi palavras abruptas, desejadas de assalto.
Rendeu-me a ausência.
Recolhi minhas armas.
Outro turno.
Outro turno?
*
5.
Você em minhas bordas
Te franqueio meus limites
Você me TRANSborda.
*
6.
Margear
Flanquear
Guarnecer
Debruar
Emoldurar
Ladear
Marginar
Rodear
Beirar
Contornar
Encurralar
Você se fez verbo em minha carne.